Juíza analisa e fala sobre 10 anos de Lei Maria da Penha
Esta semana, a Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, completou 10 anos e, uma década depois, infelizmente a violência doméstica ainda é uma ameaça para milhares de mulheres, embora se possa constatar muitos avanços.
A juíza Jacqueline Machado, que responde pela primeira Vara de Medidas Protetivas do Brasil, na Casa da Mulher Brasileira, na Capital, lembra que a Lei Maria da Penha foi a primeira norma criada para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, tornando-se um ícone na proteção de direitos negligenciados por anos e, quando não, esquecidos.
“Os direitos da mulher vítima de violência, renegados em seu grau de relevância no nosso panorama jurídico e social, eram tratados como meros desentendimentos conjugais que não raramente configuravam apenas e tão somente meros casos de polícia, resolvidos no interior do ambiente policial”, explicou Jacqueline.
Em Campo Grande existem três Varas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e a capital de MS foi a primeira cidade no país a concentrar toda a rede de assistência em um único lugar: na Casa da Mulher Brasileira. Desde a inauguração no local, em março de 2015, cerca de 250 agressores foram presos em flagrante.
Para se ter uma ideia do trabalho realizado em favor dessas vítimas de violência, somente em 2016 já foram concedidas mais de 2.445 medidas de proteção. Na Vara de Medidas Protetivas, como é chamada, atuam a juíza titular, uma equipe multidisciplinar e um cartório integralmente aparelhado.
“A partir do momento em que o pedido é enviado pela Delegacia da Mulher ao Poder Judiciário a medida é analisada no mesmo dia, no máximo, em três ou quatro horas. Na maioria dos casos, o tempo de demora para análise judicial é inferior ao tempo que a delegacia levou para enviar o pedido de medida. O TJMS também dispõe de plantão judicial de 24 horas nos finais de semana, com análise das medidas de proteção no mesmo dia pelo magistrado plantonista”, completou a juíza.
Importante ressaltar que a mesma vara realiza as audiências de custódia e, em caso de soltura do agressor, é este imediatamente intimado das medidas protetivas deferidas em favor da vítima.
Mas, como analisar essa lei 10 anos depois? Antes de responder, Jacqueline lembra que o Brasil foi compelido por organismos internacionais a editar tal lei por não ter uma legislação que atendesse a mulher vítima de violência.
“A lei hoje é uma marco na vida das mulheres. Dez anos depois, podemos dizer que tem servido para mudar muita coisa como punir agressores que antes não eram punidos, e tirar do ambiente policial essa questão da violência, permitindo a violência doméstica contra a mulher seja realmente levada a sério”.
A mulher está mais consciente de que é possível lutar contra a violência que sofre? A juíza defende que sim e explica que o número maior de denúncias de violência doméstica indica que a mulher está mais consciente e encontrando locais mais preparados como a Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande, modelo no Brasil, com toda estrutura e apoio para fazer a denúncia. Ela acredita que atualmente a mulher sente-se com mais poder para levar adiante este tipo de denúncia de violência.
“Os casos mais frequentes na 3ª Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital são os de ameaça, lesão corporal, injúria, difamação, calúnia. Estupro em relacionamento íntimo de uma convivência também aparece bastante e existem ainda os mais graves como os feminicídios”, completou.
Quais os avanços que ainda se esperam nessa área? A prioridade agora, segundo Jacqueline, é fazer com que a Lei Maria da Penha seja implementada, com toda política pública de atendimento à mulher que prevê, e levada para municípios do interior, pois muitos ainda não têm nem delegacia especializada para atendimento à mulher.
A juíza ressalta que nos mais de cinco mil e 500 municípios brasileiros poucas são as varas de violência doméstica em relação à demanda existente. “Precisamos levar a conscientização da questão de gênero para a educação. É necessário entender que somente será possível modificar a realidade a partir da educação, da mudança da cultura do machismo, de que a mulher ainda é propriedade do homem e, na visão machista, que ela não teria os direitos como cidadã. Desde a constituição de 1988, no Brasil, todos são iguais em direitos e obrigações”.
Será que a mulher vai conseguir se libertar desse ciclo de violência? Ela acredito que sim e garante que se está andando a passos largos. “As mulheres estão entendendo seu papel na sociedade. Elas estão trabalhando, sustentando seus filhos, demonstrando que têm força. Estão conquistando cargos e atingindo patamares na política. Acredito que essa mulher consiga, mas ainda precisa-se de muito investimento em política pública e muita conscientização na forma de educar os filhos. Não podemos mais continuar educando nossos filhos de forma diferente: meninos de um jeito e meninas de outro. Precisamos educar para a igualdade de gênero”.
Questionada sobre o que dizer para essas mulheres que ainda sofrem caladas, ela nem titubeou: “Denunciem. É necessário sair desse ciclo de violência. Sei que é difícil. Sair desse ciclo não é fácil nem se consegue isso do dia para a noite, mas é preciso porque só se pode evitar que o mal maior aconteça se houver a denúncia e a devida proteção. Por que ainda somos vítimas de violência desse tipo? Infelizmente existem inúmeros motivos: a dependência psicológica, emocional, financeira; a vontade de mudar o agressor, fazer com que ele volte a ser o que era; até mesmo o fato de amar o agressor. Porém, o único motivo que não existe é dizer que a mulher não sai desse ciclo de violência porque gosta de apanhar”.