Violência doméstica: Lei Maria da Penha completa 15 anos
No dia 7 de agosto de 2006, entrava em vigor a Lei nº 11.340, que passou a ser chamada de Lei Maria da Penha em referência à farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que lutou muito para ver seu agressor condenado. A norma visa proteger a mulher da violência doméstica e familiar e, nesses 15 anos de vigência, passou por várias mudanças.
Ainda assim, a juíza Helena Alice Machado Coelho, que responde pela Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar em MS, garante: Lei Maria da Penha é a terceira melhor do mundo, quando se fala em proteção à violência doméstica e familiar contra a mulher.
“Essa é sim uma lei eficaz, mas é importante que as vítimas acreditem nisso e procurem as autoridades policiais desde a primeira agressão. Por que temos tantas vítimas? Porque a mulher não procura a delegacia ou a Casa da Mulher Brasileira para relatar a agressão e isso fica claro nos levantamentos sobre feminicídio, em que se constata que mais de 80% das vítimas não tinham medidas protetivas e as que tinham, no momento do crime, pediram sua retirada e retomaram o relacionamento com o ex-companheiro” explicou.
Esse cenário assustador mostra a importância de a mulher pedir a medida protetiva, reconhecer que está no ciclo de violência e não solicitar a retirada da medida protetiva, pois, segundo a juíza, elas são eficazes para frear a escalada da violência - uma característica bem comum nos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Existe um perfil do agressor? Segundo Helena Alice, não. “Não existe um perfil nem de vítima nem de agressor. O autor de violência doméstica, não raro, goza de boa reputação na sociedade e no trabalho porque o problema dele é dentro de casa ou com alguém com quem tem um relacionamento íntimo de afeto. Para ser autor de violência doméstica, o homem acredita que a mulher é menos que ele, é sua propriedade”, completou.
Como era a legislação antes da Lei Maria da Penha? A lei era bem mais leniente com esses casos de violência doméstica e familiar. Muitas vezes, relata a juíza, a mulher chegava na delegacia para prestar queixa e era convencida a voltar para casa porque a situação seria apenas uma briga de casal. “Antes da Lei Maria da Penha, os processos eram encaminhados para os juizados especiais e o agressor pagava uma cesta básica - isso se a mulher não desistisse do processo antes da condenação”, acrescentou Helena.
Destaque-se que a lei imprimiu uma mudança de paradigmas ao trazer para o ordenamento jurídico uma sistemática de proteção à vítima de violência doméstica e familiar, além de, de forma inédita, criar as medidas protetivas de urgência - um marco quando se fala em combate e prevenção à violência doméstica. “Não havia essa previsão no ordenamento jurídico e as medidas protetivas de urgência chegam como uma resposta rápida e efetiva para mulheres que procuram ajuda”, disse a juíza.
Helena Alice acredita firmemente que a Lei Maria da Penha é boa, mas reconhece que existem muitas tentativas de alteração legislativa e lembra que há uma preocupação muito grande dos operadores do direito no que se refere a mudanças que tentam imprimir na norma.
“Várias políticas públicas de responsabilidade do Executivo, por exemplo, ainda estão pendentes mesmo depois de tanto tempo da edição da lei. O texto não merece alterações: a necessidade está na sua efetiva aplicação, principalmente na prevenção. Falta investir em educação e em políticas públicas”, opinou.
No dia 29 de julho de 2021, a Lei nº 14.188 criou o tipo penal de violência psicológica contra a mulher, com pena de reclusão de seis meses a dois anos, além de definir o programa Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, previstas na Lei Maria da Penha.
Será que agressor vai se intimidar com essas mudanças? Na opinião de Helena, o desafio maior é demonstrar para as mulheres que a violência psicológica é um tipo de violência doméstica, pois muitas acham que esse tipo de comportamento abusivo faz parte do relacionamento.
“Acho importante que o programa Sinal Vermelho tenha se tornado lei e é mais uma chance que a mulher tem para romper o relacionamento abusivo porque, às vezes, ela está tão dominada pelo homem que a mantém em cárcere, que não consegue pedir ajuda, dizer que está sofrendo violência. É mais um canal de auxílio às vítimas”, concluiu.
Para a juíza Jacqueline Machado, que titulariza a primeira Vara de Medidas Protetivas no Brasil e é diretora de Prerrogativas da AMAMSUL, a importância da Lei Maria da Penha está no fato de que a norma permite ao magistrado e à magistrada uma maior proteção à mulher, como são as medidas protetivas de urgência.
“Antes desta lei, ainda que se pudesse ter alguma medida de proteção, não existiam as medidas como nos dias atuais, elencadas e disciplinadas na legislação. Isso é muito importante para o sistema de justiça e muito mais para as mulheres protegidas por essa medida”, explicou Jacqueline.
Ela defende que a Lei Maria da Penha é um instrumento importante e tem medidas eficazes e que podem proteger as mulheres vítimas de violência em situação de violência doméstica e familiar e cita que, prova disso, é que em Mato Grosso do Sul a maioria das mulheres não possuía medidas protetivas, seja porque nunca havia pedido, seja porque pediu a revogação.
“Aquelas que estão com medidas protetivas efetivamente acabam sendo protegidas porque a medida protetiva tem por objetivo a escalada da violência que acontece em um relacionamento abusivo e, quando a mulher está em um ciclo de violência, não consegue sair. É muito importante que a medida protetiva rompa esse ciclo, colocando freio na escalada da violência”, completou.
Questionada sobre o fato de, mesmo com tanta informação disponível, campanhas, políticas públicas, é possível afirmar que a mulher ainda resiste em romper o ciclo de violência, Jacqueline esclareceu que não é que a mulher resista em sair do ciclo de violência, mas ela tem dificuldade em fazê-lo, muitas vezes por não se perceber nesse ciclo, por questões familiares, religiosas, por pressões externas, por medo.
“Muitas e muitas mulheres permanecem em uma relação porque acreditarem que conseguem controlar o parceiro agressivo, por medo da situação que envolve os filhos, a situação financeira e por dependência emocional. Há uma dificuldade muito grande para romper o ciclo de violência, além do déficit de políticas públicas adequadas e mais eficazes para que essa mulher tenha o auxílio de que precisa, no momento em que desejar romper esse ciclo”, finalizou.
Saiba mais - As principais novidades trazidas pela Lei Maria da Penha foram a prisão do suspeito de agressão; a violência doméstica passou a ser um agravante para aumentar a pena; não mais é possível substituir a pena por doação de cesta básica ou pagamento de multas; o surgimento da ordem de afastamento do agressor da vítima; obrigação de assistência econômica no caso de a vítima ser dependente do agressor.
Entre as alterações recentes da norma está a Lei nº 13.984, sancionada no início do mês de abril de 2020, para determinar que agressores de mulheres podem ser obrigados a frequentar centros de reeducação, além de receber acompanhamento psicossocial.
Desde o início, a Lei Maria da Penha tem cumprido seu papel, apesar de serem necessárias ações mais positivas do poder público, no entanto, entre os frutos da norma está a constatação que esta lei abriu caminho para a Lei nº 13.104/15, a chamada Lei do Feminicídio.