Associados completam 40 anos de magistratura
Os aprovados no primeiro concurso para juiz substituto do Poder Judiciário de MS estão completando 40 anos de judicatura. Ingressaram na magistratura de MS, em março de 1982, Jorge Eustácio da Silva Frias, Edson Ernesto Ricardo Portes, Clóvis Borborema Santana, Julizar Barbosa Trindade, Carlos Alberto Pedrosa de Souza, João Adolfo Astolfo, Jonas dos Santos Pellicioni, Ana Comparsi, Manoel Mendes Carli, Dorival Moreira dos Santos, Ademar Pereira, Divaldo Roque Meira, Otto Bitencourt Neto, João Bosco Rodrigues Monteiro e Tenir Miranda.
Neste concurso foram aprovados também Itaney Francisco Campos e Paulo Mendes Álvares (desistente), porém ambos desistiram antes da posse. A solenidade de posse foi realizada no dia 18 de março e, no dia seguinte, os empossados já estavam em suas comarcas realizando audiências.
O presidente da AMAMSUL, Giuliano Máximo Martins, expressou sua alegria em ter entre os associados magistrados que construíram sua biografia ao mesmo tempo em que ajudavam a formatar a história da magistratura sul-mato-grossense.
“Temos magistrados com mais de 30 anos de judicatura, oriundos do mesmo concurso, que alcançaram o ápice da carreira, mas o Des. Julizar é o primeiro que vejo ser o único representante do concurso no qual foi aprovado ainda na ativa. E mais: com produtividade significativa e muito conhecimento para dividir com aqueles que usufruem de seu convívio, seja profissionalmente ou na vida pessoal. Magistrado de grande capacidade, espero que continue nos brindando com seu brilhantismo até o último dia, antes de ser obrigado a se aposentar”, disse Giuliano.
Dos aprovados, apenas Julizar Barbosa Trindade continua na ativa. Desde fevereiro de 2007, ele ocupa o cargo de desembargador na mais alta Corte da justiça sul-mato-grossense. Questionado sobre como era judicar em comarcas do interior na década de 1980, respondeu sem titubear: era gratificante. Ele atuou dois meses como substituto em Corumbá, foi promovido para Glória de Dourados e, depois de dois anos, uma nova promoção o levou para Amambai.
De Amambai, Julizar foi removido para Ponta Porã e posteriormente promovido para a Capital e toda movimentação na carreira ocorreu em pouco mais de seis anos. Foi com orgulho que o desembargador explicou que todas as suas promoções foram por merecimento, tanto de substituto para primeira entrância, como para segunda entrância e para entrância especial – inclusive para o segundo grau.
Da realidade muito diferente da atual, quando a tecnologia era ainda um sonho, Julizar lembra que redigiu muita sentença em máquina de escrever e contou, entre sorrisos, que nas comarcas de primeira entrância, além de responsável pela justiça, o juiz representa o padre, pastor, cartorário, enfim, porque tudo o que havia de problema acabava nas mãos do magistrado. “Mas as pessoas tinham não apenas respeito pelo juiz, mas também total admiração”.
Apesar dessa visão da sociedade local, Julizar confessa que sempre foi um membro da comunidade e que nunca deixou de fazer nada em razão de ser juiz, mas tudo tinha que ser feito adequadamente, adotados os devidos cuidados na hora de frequentar os lugares, na forma de vestir e agir não só do juiz, mas de toda a família. Era muita responsabilidade.
O magistrado ainda embarga a voz quando lembra da primeira comarca. Ele estava trabalhando e recebeu uma ligação da esposa relatando que chegara em sua casa um senhor com um cacho de bananas em uma carriola para presenteá-los. O fato era tão inusitado, que ela não sabia o que fazer e resolvera consultar o marido. “Não aceite e explique a ele que o juiz da comarca não pode receber brindes, mas anote o nome dele completo”, instruiu.
Com as informações em mãos, o então juiz descobriu que o humilde senhor tinha um processo de usucapião há mais de 10 anos e o feito não andava. Julizar então pediu que os servidores do cartório agilizassem a tramitação e adotou os procedimentos necessários para imprimir celeridade ao processo. Ao final, concedeu o título de proprietário pelo usucapião.
“Um dia estava trabalhando e fui avisado que um senhor estava me procurando. Pedi que o deixassem entrar e descobri que era o mesmo homem do cacho de bananas. Ele foi agradecer porque a única coisa que tinha na vida era aquele pedaço de terra. Ele me disse: doutor, comprei e paguei, mas não tinha documento. Não queria morrer sem regularizar a situação para amparar minha família. E até hoje me emociona lembrar a forma como ele chegou para agradecer”, disse o desembargador.
Com muitos causos para contar, Julizar garante: é magistrado por vocação e escolheria a mesma carreira. “Ingressei na magistratura porque realmente desejava, sabia das dificuldades e passamos por fases muito difíceis. Foi necessário vender o patrimônio adquirido quando advogava para sustentar a família, mas sempre acreditei que um dia melhoraria. Uma das coisas mais importantes para o ser humano, depois da vida e da saúde, é a justiça porque ninguém quer ser injustiçado. Precisamos atuar para que a justiça chegue a quem precisa”.
Sobre as quatro décadas distribuindo justiça em território sul-mato-grossense, ele usou uma frase para definir sua vida. “Combati o bom combate e logrei-me vencedor. Tenho 43 anos de casado, um família feliz. Nunca tive uma representação contra mim, nunca tive problemas com colegas, advogados. Trabalhei muito tempo em área criminal e nunca tive problema com réu ou qualquer outro dissabor. Sempre coloquei a justiça em primeiro lugar e nunca desfiz de ninguém”, concluiu.
Jorge Eustácio da Silva Frias e Tenir Miranda continuam advogando, mas apenas em casos cujos processos já estão finalizando a tramitação. Ambos pretendem, em curto prazo, deixar a advocacia para usufruir a vida com os familiares, especialmente os netos.
Em recente entrevista para o projeto Sala da Memória, Jorge Frias contou que advogou por nove anos em São Paulo, na área cível, antes de integrar a magistratura de MS. Uns tios maternos moravam em Glória de Dourados e um primo o convidou para prestar o concurso em MS. Frias não conhecia o estado, mas concordou em se inscrever no certame, sem ter nenhuma ideia do que o esperava.
Na época, Jorge Frias fazia mestrado e vir para MS foi um choque porque os ambientes eram muito diferentes. Ele foi judicar em Fátima de Sul, que era ainda comarca de primeira entrância, de terra vermelha e muita poeira no mês de agosto. “Quando ventava muito, tínhamos que fechar as janelas para evitar que os locais ficassem cheios de poeira, aquele poeirão vermelho. Na hora do almoço, usávamos guardanapo para espantar as moscas”.
Frias reconhece que as frequentes reuniões que realizavam foram muito importantes na carreira. “Éramos uma turma coesa de juízes e as comarcas eram próximas. Em razão disso, os juízes do mesmo concurso que eu ficaram na região, então, de tempos em tempos, marcávamos reunião em uma das comarcas e todos iam. Na parte da manhã, ficávamos estudando, discutindo questões jurídicas e dividindo os problemas. Isso resultou em uma segurança muito grande e aumentou os laços de amizade”, relembra.
Edson Ernesto Ricardo Portes (1998), Clóvis Borborema Santana (1994), Dorival Moreira dos Santos (2019) e João Bosco Rodrigues Monteiro (1998) estão aposentados e afastaram-se da carreira. Ana Comparsi foi aprovada em novo concurso e foi judicar no RS, aposentando-se em 1997. Carlos Alberto Pedrosa de Souza, João Adolfo Astolfo, Jonas dos Santos Pellicioni, Manoel Mendes Carli, Ademar Pereira e Divaldo Roque Meira faleceram.
João Bosco conta que não estava entre os primeiros oito a assumirem o concurso. Ele foi empossado no gabinete da presidência do Tribunal de Justiça, então ocupada pelo Des. Jesus de Oliveira Sobrinho, e teve por testemunha a diretora-geral da época Itsume Murakami. Questionado sobre a razão da posse administrativa, ele explicou que os aprovados eram nomeados e empossados na medida em que surgiam vagas. Aposentou-se em 1.998 para retornar à advocacia com a filha.
Ele foi nomeado em junho de 1.982 como substituto da circunscrição de Três Lagoas e respondeu também por Bataguassu até ser designado para Maracaju, onde ficou até o final de 1.986. Em 1.987 foi promovido para a Vara Criminal de Aquidauana e lá permaneceu até final de 1.991, quando uma nova promoção o levou para a então 11ª Vara Cível da Capital. João Bosco conta que ser juiz naquela época não era tarefa fácil, pois não havia as facilidades de hoje.
“O juiz, além de corajoso, deveria ser sábio, equilibrado e criativo, devido às precárias condições para o exercício da função, principalmente no interior. Péssimas estradas. Intransitáveis na época das chuvas. Comunicação deficiente. Tempo do interurbano onde havia telefone. O juiz tinha que possuir sua própria máquina de escrever, papel carbono e sulfite. As correspondências do Tribunal eram feitas pelo famoso malote uma vez por semana”, conta.
De acordo com Bosco, no interior é que verdadeiramente se exercia a função na sua intensidade. Ele lembra com clareza do Des. Romero Osme Dias Lopes, que afirmava: "juiz você é na Currutela. Aqui você é simplesmente mais um", e garante que a fala era pura realidade.
“Maracaju era uma cidade violenta, onde predominava pensamento de que 'aqui nós fundou, aqui nós manda'. Era grande o número de homicídios, roubos e estupros. Na área cível, a maior demanda residia nos processos de execução por conta do grande fluxo de agricultores que obtinham financiamentos junto a rede bancária. A magistratura é um verdadeiro sacerdócio. Tem que ser vocacionado. Exige total dedicação, estudo e renúncia, mas traz satisfação e segurança. A sensação do dever cumprido é o grande alento”.
Tenir Miranda foi outro a ser empossado administrativamente, mas não estava sozinho. Na mesma ocasião foi também empossado Jonas dos Santos Pellicioni que, depois de judicar por mais de três anos em Bela Vista, foi promovido para Aquidauana e deixou a magistratura para dedicar-se ao comércio e à advocacia até falecer, em decorrência de um câncer.
Saiba mais - Antes do I Concurso para Juiz Substituto do Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul foram realizados três concursos para Juiz de Direito. O primeiro certame para juiz substituto foi aberto no dia 1º de julho de 1981 e homologado no dia 19 de fevereiro de 1982, com os 17 candidatos aprovados.
Da comissão desse concurso participaram o Des. Jesus de Oliveira Sobrinho, então presidente do TJMS e da comissão; Des. Higa Nabukatsu, como representante do Conselho Superior da Magistratura; Des. Rui Garcia Dias, como representante do Tribunal Pleno e Claudionor Miguel Abss Duarte, como representante da OAB/MS.
Dos aprovados somente oito foram empossados em março de 1982 porque havia nove circunscrições e oito vagas imediatas. Os outros foram empossados de acordo com as vagas que iam surgindo e, com a ampliação do número de circunscrições, de oito para 14, todos puderam ocupar uma vaga.
Legenda: Manoel Mendes Carli, Julizar Barbosa Trindade e Clóvis Borborema Santana
Legenda: Amigos, os magistrados e seus familiares viajavam juntos de férias
Legenda: Des. Julizar Barosa Trindade em seu gabinete, no TJMS