Inventário, partilha, separação e divórcio consensual pela via extrajudicial: uma opção ou uma obrigação?
José de Andrade Neto
Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Aquidauana – Mato Grosso do Sul
A agilidade da prestação jurisdicional tem sido o tema de maior preocupação e discussão entre os operadores do direito nacional. É assunto presente em qualquer entrevista ou discussão que envolva a Justiça ou algum de seus integrantes.
Após a entrada em vigor da Emenda Constitucional n.º 45, batizada como a Emenda da Reforma do Poder Judiciário, lançou-se um pacote de medidas legislativas com o propósito de reformar a legislação infraconstitucional, mormente a processual civil. Desde então, diversas leis foram criadas e alteradas, sempre tendo em mira o objetivo maior: desafogar o Poder Judiciário e, consequentemente, agilizar a prestação jurisdicional.
A alteração legislativa mais recente, operada no Código de Processo Civil, deu-se através da Lei n.º 11.441, publicada em 04 de janeiro do corrente ano, a qual, em síntese, passou a permitir que o inventário e a partilha sejam feitos por escritura pública, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário, desde que todos os herdeiros sejam maiores, capazes e concordes. Passou, também, a autorizar a realização da separação e do divórcio consensual entre os cônjuges, através de escritura pública, desde que não haja filhos menores ou incapazes e observados os requisitos legais quanto aos prazos.
A despeito de a novel legislação estar sendo tema de inúmeras discussões sobre a forma de sua aplicação prática, notadamente por não ter havido qualquer preparação dos cartórios extrajudiciais para a sua operacionalização, o que se pretende neste simplório texto é demonstrar que com a entrada em vigor da Lei n.º 11.441/07, a única forma de se realizar o inventário, a partilha, a separação e o divórcio consensual passou a ser a via extrajudicial, não mais sendo possível utilizar-se o Poder Judiciário para os referidos fins.
À conclusão mencionada chega-se não através da interpretação literal dos termos da Lei n.º 11.441/07, mas da análise sistemática do referido dispositivo, confrontando-o com os mais importantes institutos processuais, assim como com os fundamentos que legitimam a utilização do direito constitucional de ação.
A propósito, a análise mais apressada do texto legislativo em testilha, mormente a realização de sua simples interpretação literal (quase nunca recomendada), enseja o intérprete a concluir que a novel legislação pretendeu instituir uma faculdade ao jurisdicionado, permitindo-lhe a realização extra ou judicial do inventário, da partilha, da separação e do divórcio consensual. E tal se dá em virtude de ter constado na nova redação dada ao art. 982 e no recém criado art. 1124-A do Código de Processo Civil a expressão "poderá".
Todavia, a análise mais acurada dos dispositivos da Lei 11.441/07, mormente o seu confronto com institutos bases do processo civil, evidencia que, a partir de agora, a única opção para a realização de inventário, partilha, separação e divórcio consensual é a via administrativa, extrajudicial.
Longe de ser questão jurídica complexa, a conclusão mencionada é tomada a partir do momento que o problema é vislumbrado levando em conta as condições para o exercício do direito de ação, em especial o interesse de agir (interesse-necessidade).
A parte, frente ao Estado-Juiz, dispõe de um poder jurídico, que consiste na faculdade de obter a tutela para os próprios direitos ou interesses, quando lesados ou ameaçados, ou para obter a definição das situações jurídicas controvertidas. É o direito de ação, de natureza pública, por referir-se a uma atividade pública, oficial, do Estado.
Para aqueles que, segundo as mais modernas concepções, entendem que a ação não é o direito concreto à sentença favorável, mas o poder jurídico de obter uma sentença de mérito, isto é, sentença que componha definitivamente o conflito de interesses de pretensão resistida (lide), as condições da ação são três: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade de parte (Curso de Direito Processual Civil, Humberto Theodoro Júnior, vol. I, 44ª ed., pag. 63).
O interesse de agir "...surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual 'se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais'.
Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade, como adverte Allorio. Essa necessidade se encontra naquela situação 'que nos leva a procurar uma solução judicial, sob pena de, se não fizermos, vermo-nos na contigência de não podermos ter satisfeita uma pretensão (o direito de que nos afirmamos titulares)'..." (Humberto Theodoro Júnior, op. cit., p. 65-66).
Ao lado da principal atividade do Poder Judiciário, que consiste em resolver o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida (lide), a lei, em casos especiais, pode atribuir ao aludido Poder outras funções, quando o interesse público justificar.
"Enquanto a solução jurisdicional dos conflitos é natural e necessária, outras questões podem ser jurisdicionalizadas pela lei, que pode obrigar a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Como a liberdade jurídica permite que se faça tudo o que a lei não proíbe ou que se não faça o que a lei não manda, somente nos casos expressos em lei, os efeitos jurídicos de certos negócios privados estão condicionados à apreciação e autorização judicial. Estes são os casos de jurisdição voluntária, nos quais o Judiciário, por força de lei, se interpõe como indispensável à realização de determinado ato ou à obtenção de determinado efeito jurídico.
O interesse processual necessidade, que, na jurisdição contenciosa, decorre da sistemática geral de que ninguém pode fazer justiça pelas próprias mãos, na jurisdição voluntária decorre de lei, que impede a prática do ato sem a intervenção e autorização judicial.
Daí decorre que a jurisdição voluntária só atua em face de texto expresso de lei. Se a lei não obriga a autorização judicial, as partes não têm interesse processual em recorrer ao Judiciário" (grifo) (in Direito Processual Civil Brasileiro, 3º vol., 14ª ed., Vicente Greco Filho).
Ora, a partir do momento que os dispositivos da Lei 11.441/07 passaram a estabelecer que não é mais necessária a atuação do Poder Judiciário para que surtam efeitos jurídicos os atos de separação e divórcio consensual (procedimentos de jurisdição voluntária), que podem ser feitos por simples escritura pública, patente que as partes não mais detém interesse processual em recorrer ao aludido Poder para os referidos fins.
Da mesma forma, se não há mais necessidade de se procurar solução judicial para os inventários e arrolamentos que envolvam partes maiores, capazes e concordes, resta evidente a ausência de interesse processual na ação que busca a homologação dos referidos atos.
Tanto nos casos de inventário e partilha, quanto nos casos de separação e divórcio consensual, desde que respeitados os requisitos estabelecidos na Lei 11.441/07, as partes não sofrerão qualquer prejuízo se deixarem de propor ação perante o Poder Judiciário e buscarem a solução extrajudicial para o problema.
Assim, não resta outra conclusão, que não a de que, com a entrada em vigor da Lei 11.441/07, não há mais interesse processual e, consequentemente, direito de ação, àquelas pessoas que, enquadradas nas hipóteses legais, pretendam a homologação judicial de inventário, partilha, separação ou divórcio consensual, sendo obrigatório o uso da via administrativa, extrajudicial.
Frisa-se que, como já foi dito, a Lei 11.441/07 foi criada com o propósito de desafogar o Poder Judiciário, num momento em que se buscam soluções extrajudiciais para os problemas da sociedade. Acaso se entenda ser uma faculdade da parte a realização extrajudicial ou judicial do inventário, da partilha, da separação ou do divórcio consensual, certamente a lei criada não irá atender o seu objetivo, posto que a solução judicial será a mais procurada, seja pela maior segurança jurídica que proporcionará, seja pelo menor dispêndio financeiro que acarretará.
A propósito, estudos prévios já realizados indicam que o custo monetário da realização extrajudicial de um arrolamento ou inventário consensual será infinitamente superior ao de um processo judicial com o mesmo fim.
Ora, diante das inúmeras dificuldades financeiras que atravessa a maioria da população pátria e frente a sua característica essencialmente materialista, patente que se a ela for dada a opção de realizar um arrolamento consensual pela via extrajudicial, com custos mais elevados, ou através da intervenção do Poder Judiciário, onde terá menores gastos, certamente irá preferir esta última solução, por ser economicamente mais viável. Assim, a Lei 11.441/07 terá entrado em vigor, mas nem de longe conseguirá surtir o efeito desejado, qual seja, de auxiliar na redução do número de demandas e, consequentemente, na agilização da prestação jurisdicional. Será, certamente, um dispositivo legal nat morto.
O que se recomenda é que a comunidade jurídica e a sociedade organizada busquem fazer gestão frente às Corregedorias de Justiça Estaduais, no sentido de operar-se uma redução do valor das custas e emolumentos para a realização extrajudicial dos atos previstos na Lei n.º 11.441/07, a fim de torna-la economicamente viável.
Frisa-se, por fim, que por questão de justiça e até mesmo de boa política civil, aos processos já em andamento antes da entrada em vigor da Lei 11.441/07, onde se pretende a homologação judicial de inventário, arrolamento, separação e divórcio, não se deve dar o destino da extinção, por falta de interesse de agir superveniente. Isso para se evitar que as partes não sejam ainda mais prejudicadas, posto que, além de já estarem aguardando um resposta jurisdicional para a questão apresentada, certamente já terão operado gastos com custas judiciais, contratação de advogados, dentre outros. A sugestão é que apenas aos novos casos seja dado o destino inevitável da carência de ação.