Menoridade Penal – Inconstitucionalidade da Redução
Mário José Esbalqueiro Júnior
Juiz de Direito, atualmente titular de uma Vara Criminal e da Infância e Juventude
Pós-Graduado, Professor da Graduação e Pós-Graduação (Paranaíba/MS)
Vivemos em tempos difíceis. As discussões acirram-se em torno de medidas milagrosas, rápidas, para a redução da criminalidade alarmante no país. Brasil que possui índice de crescimento pífio, corrupção exagerada e que é capaz de considerar alfabetizado quem “desenha” o próprio nome.
Busca-se o culpado por tanta brutalidade, medidas urgentes para cessar a criminalidade crescente, que se organiza, muitas vezes, mais eficientemente que o Estado.
O Congresso Brasileiro funciona na base da pressão. Vimos longas discussões sobre Presidência da Casa, luta-se por espaço em reformas ministeriais e ideologia partidária é adjetivo em extinção, mas quando a opinião pública se inflama o Congresso deseja mostrar serviço no âmbito do que realmente interessa à coletividade.
O Governo Federal fala que a solução é a educação, mas sempre existirão crimes e atos infracionais. A educação é essencial, ajuda, mas não é suficiente.
A imprensa tem cumprido seu dever. Ocorre que a classe política, muitas vezes, não toma o cuidado de estudar tecnicamente as causas de tantos problemas. São problemas gravíssimos e necessitamos de mudança, mas não se vêem medidas plausíveis ao menos no âmbito dos adolescentes que praticaram atos proibidos por Lei.
Diariamente chegam ao Judiciário do país, procedimentos investigatórios onde se retratam fatos bárbaros, no qual alguns agentes do fato são menores de 18 anos de idade, como àquele ocorrido com o casal de namorados que acampava no interior paulista, ou mais recentemente o garoto João Hélio, deixando o país comovido.
A análise emotiva dos fatos é fácil, a revolta em um primeiro momento é inevitável, mas o ser humano precisa usar aquilo que mais o difere dos outros seres criados por Deus, a razão.
Essa mesma razão difere também os homens de bem de verdadeiros marginais. A inteligência precisa ser usada para a melhoria do ser humano, sob pena de novamente o Congresso Nacional eleger medidas salvadoras, sem resultado prático efetivo.
Na redução da menoridade penal de 18 para 16 anos, vislumbra-se um “análgésico” para o problema da crescente prática de atos infracionais, mas o efeito passará e a doença social retorna, tão ou mais forte.
Precisamos de um “antibiótico”, tentar a cura, o estudo das causas estruturais e tratamento profundo e elaborado da enfermidade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) é uma legislação avançada e bem elaborada, assim como o Código de Defesa do Consumidor, dentre outras.
Referida legislação é aplicável também no caso de adolescentes que praticam atos infracionais, fato ilícito equiparado ao crime, mas como o agente tem idade entre 12 e 18 anos, considera-se que praticou fato ilegal e precisa ser corrigido. Quando o ilícito é praticado com violência ou reiteradamente, esses adolescentes infratores podem permanecer “internados” por até três anos ou completando 21 anos.
Para que o leigo entenda, o adolescente é “preso”, mas nestes casos busca-se corrigir o infrator, em unidades educacionais e corretivas, verdadeiros presídios para menores, onde deve existir uma estrutura própria para recuperação, com trabalho, estudo, formação, esporte e auxílio psicológico.
O contrário acontece com o infrator maior de idade em nosso amado país, este é sancionado apenas. Poucos presídios são preparados para ao menos tentar educar estes meliantes, que após cumprirem a pena, retornam ao convívio social.
O cidadão maior de idade que pratica um homicídio simples, permanece preso em média cerca de um ano, depois obtém direito à progredir de regime e são raras as colônias penais agrícolas. ? comum o regime aberto ser na forma “domiciliar”, pois o Estado não disponibiliza estrutura para o cumprimento da pena.
Já o adolescente, pode ficar três anos internado, mas ao ser comparado ao maior de idade, ingressará em um sistema prisional desestruturado, onde cumprirá de forma menos efetiva a sanção, sendo mais difícil qualquer recuperação.
O desespero da população pode levar nosso Congresso a agir de forma atropelada com resultados prejudiciais. As mudanças na legislação penal e processual já vêm tarde, mas com relação ao adolescente infrator, a proposta de alteração padece de Inconstitucionalidade.
A Carta Constitucional elenca alguns direitos fundamentais, aos quais foi atribuída importância para que fossem respeitados continuamente, sobrepondo-se à qualquer Lei.
Tais direitos são reconhecidos como cláusula pétrea, imutáveis, ainda que por emenda constitucional, tamanha a importância. ? uma garantia da sociedade contra arbítrio do Estado. Qualquer precedente de desrespeito constitucional afronta o Estado Democrático de Direito.
Reportados direitos fundamentais não estão elencados apenas no artigo 5? da Constituição Federal (CF), mas espalhados pela Lei Maior, quando trata dos temas fixados no “caput” do art. 5?, ou seja, na cabeça do enunciado.
O Supremo Tribunal Federal e muitos juristas entendem desta forma também.
Direitos Fundamentais são quaisquer direitos encartados na CF quando tratar sobre inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.
Dispõe o art. 228 da CF, ser inimputáveis os menores de 18 anos, ou seja, trás regra no corpo da Constituição sobre “liberdade”, segundo a qual os menores de 18 anos não praticam crimes. Isto não quer dizer que não podem ser sancionados, na verdade, devem, mas de uma forma diferenciada, pois são pessoas em condição de desenvolvimento.
O Estado detém o monopólio da legislação, poder de polícia e jurisdicional, de forma que tem a obrigação de agir, para interromper a crescente onda de criminalidade, mas não agir de forma impensada, atropelada, e pior, inconstitucionalmente.
Deve-se buscar no direito comparado as boas experiências. O Direito Penal alemão e espanhol são de uma evolução indescritível.
Para que copiar a doutrina americana da tolerância zero, se podemos adotar a escola da terceira via (mais eficiente), onde se busca recuperar o infrator, “quando possível”.
É preciso lembrar que alteração da legislação servirá para todos os adolescentes e não apenas para seres da estirpe daqueles que assassinaram cruelmente o menino João Hélio.
Até quando o Congresso Brasileiro vai pensar que o Brasil precisa de mais leis para evoluir?
Medidas mágicas não ocorrem no mundo material.
Temos legislação eficiente que é reiteradamente descumprida.
Não há locais adequados para que os adolescentes cumpram as medidas aplicadas pelo Judiciário. Os presídios destinados aos maiores de idade também estão abarrotados de presos. O sistema penitenciário é insuficiente e precisa se transformar em fonte de trabalho, sem presos desocupados. As varas criminais estão abarrotadas de processos pelo país, são milhares para cada Juiz.
O que o Brasil precisa que é que a Lei seja cumprida e não de mais leis, cujo cumprimento é impossível, quando temos uma polícia ineficiente e normalmente não é por culpa dos policiais.
A polícia americada e européia atua de forma inteligente e investigatória, enquanto a brasileira depende de denúncias anônimas e “caguetas”. Não é crítica à nossa polícia, onde temos muitos heróis e poucos que não honram a instituição, mas é preciso investir na qualidade da investigação, na “inteligência”.
“O que reduz a criminalidade não é a pena mais elevada, mas a certeza da sanção”. Não adianta endurecer a legislação e aplicá-la a pequeno percentual de infratores.
A legislação que temos é adequada e suficiente, só precisa ser cumprida.
Parece que tais medidas “fantásticas” que reduzirão a violência partem de pessoas que não conhecem a realidade do país ou querem esconder a inoperância do Estado (lato).
Muitos políticos que defendem a redução da menoridade quando se punem adolescentes, afrouxam as regras quanto aos crimes tributários, desejam o fim da Lei da Improbidade, tentaram amordaçar o Ministério Público e a imprensa, e mais, desejam estender o foro “privilegiado” para julgamento de ex-mandatários de cargos eletivos.
O que buscam verdadeiramente?
Enquanto o Brasil depender de medidas inconstitucionais e fórmulas mágicas, continuará sendo um país de brinquedo. Mágicas e super-heróis não existem, temos que ser realistas e aplicar com rigor as leis que possuímos.