Juíza cassa vereador por usar verba de cota feminina
Mais uma vez a magistratura sul-mato-grossense se destaca por proferir decisões inovadoras. Desta vez, a juíza Joseliza Alessandra Vanzela Turine, atuando na justiça eleitoral, reconheceu a procedência de uma representação do Ministério Público e decretou a cassação do diploma de um vereador eleito e empossado em 01/01/2021.
Na representação, o Parquet apontou que o edil, como candidato, recebeu e utilizou R$ 5.000,00 do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), referentes à cota de gênero - conduta expressamente vedada no art. 17, parág. 6º, da Res. TSE n. 23607/2019, por se tratar de desvio na aplicação dos recursos do Fundo Partidário destinado à candidatura feminina.
Para o Parquet, ao utilizar tal recurso - doado por uma candidata que recebeu R$ 15 mil para candidatura feminina e doou 1/3 para o candidato representado - teria o então candidato ofendido a moralidade do pleito e a igualdade de chances entre os candidatos. Pediu a aplicação da penalidade do art. 30-A da Lei nº 9504/97, com cassação do diploma já expedido.
A juíza iniciou a decisão lembrando que as cotas femininas representam uma luta histórica em prol da conquista pelos direitos femininos, que culmina em um tópico de importância reconhecida atualmente: a participação das mulheres na política. Para Joseliza, o papel das mulheres tem se alterado no mundo, tanto em relação às conquistas femininas quanto em relação a vida da mulher em diferentes países do mundo.
“A mulher foi relegada a funções domésticas, de administração das tarefas da casa e do cuidado com marido e filhos, mas essa situação começou a ser alterada quando a mulher passou a deixar a exclusividade das tarefas domésticas para galgar postos remunerados fora do lar, ainda que com remuneração não equivalente a do homem que exerce a mesma função, situação que vem sendo construída ao longo dos últimos séculos e adentrou nos debates atuais, e que não implica em se ter alcançado uma igualdade de direitos”, escreveu a juíza.
Portanto, no entender da magistrada, justifica-se a necessidade de medidas afirmativas em prol dos direitos das mulheres, embora várias medidas afirmativas dos direitos das mulheres já tenham sido conquistadas. Na decisão, a julgadora afirmou que não se admite retrocesso e que as conquistas das mulheres hão de ser mantidas e ampliadas, até o limite da igualdade com os direitos atribuídos aos homens.
Ela explicou ainda na decisão que no Brasil, somente em 1932, as mulheres conquistaram o direito ao voto, embora a luta pelo direito ao voto já começara no século anterior. Em 1933, as mulheres puderam votar pela primeira vez no Brasil e a Constituição de 1934 consolidou o direito de voto das mulheres: tudo isso mostra que a ideia de mulheres atuando na esfera pública foi rejeitada por longos séculos.
“É constitucional a instituição de política pública que vise incrementar a participação da mulher na política, na busca de se atingir a igualdade de participação. A cota de candidaturas e o financiamento das candidaturas femininas possibilita trazer pautas ligadas às mulheres para debate, e o afastamento da política distancia os debates das necessidades a serem atendidas para a participação das mulheres em todas suas áreas de atuação, no ambiente externo ao doméstico”, garantiu.
A julgadora ressaltou que em um ambiente democrático, em que mulheres representam a maior parte da população brasileira, a participação feminina na política há que ser estimulada para que a mulher possa ter acesso às políticas públicas que beneficiem as pautas femininas.
“Assim, diante desse contexto, e já se tendo verificado que a instituição de cota de participação e financiamento das candidaturas femininas está em consonância com documentos internacionais e a Constituição Federal, espera-se atuação dos órgãos públicos para efetividade de tal direito”, completou.
Ao concluir, Joseliza citou o que dispõe o art. 17, § 6º, da Resolução TSE nº 23.607/2019: ‘a verba oriunda da reserva de recursos do FEFC destinada ao custeio das candidaturas femininas deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas’.
“A norma é clara no sentido de que a verba destinada à candidatura feminina deve ser na candidatura feminina aplicada, posto que é verba vinculada à tal ação afirmativa. Uma vez decidido pela ilicitude, há que se aplicar as regras dos parágrafos 8º e 9º do já citado artigo 17 da Res. TSE nº 23607/2019. Neste caso, ficou comprovada a ilicitude da captação e utilização do recurso do FEFC decorrente de doação de candidatura feminina para candidatura masculina, do correspondente a um terço do valor recebido do FEFC, de forma que a penalidade prevista na Lei das Eleições há que ser aplicada ao representado, com cassação de seu diploma”, decretou.
A íntegra da decisão está publicada no DJE nº 64/2021, de 14.04.21 no https://www.tre-ms.jus.br/servicos-judiciais/djems