Juiz de Direito foi o primeiro prefeito da Capital
Sabe as figueiras plantadas na Av. Afonso Pena? As árvores consideradas quase ponto turístico completam essa semana 100 anos e o mais curioso: foram plantadas por um juiz. Isso mesmo. O prefeito que plantou as árvores centenárias e que as regava diariamente para dar exemplo era Arlindo de Andrade Gomes, primeiro juiz da comarca de Campo Grande.
Filho de aristocratas pernambucanos, ainda jovem, Arlindo foi para Recife fazer os preparatórios para ingressar na Faculdade de Direito. Foram a paixão pela natureza e o espírito aventureiro que o trouxeram, jovem diplomado, para o Mato Grosso, pois o Estado em desenvolvimento o fascinou.
Ele levou um mês para chegar a Cuiabá. Sua viagem começou no Rio de Janeiro, onde embarcou para Montevidéu, para ir até Corumbá, de onde iria até Cuiabá. Arlindo chegou em Cuiabá em abril de 1908 e arranjou emprego até receber do governo federal uma prometida vaga de fiscal da Delegacia do Tesouro Federal do Estado de Mato Grosso.
Conseguiu uma nomeação junto ao secretário de Instrução Pública para servir na banca examinadora de concurso para provimento efetivo da primeira escola complementar para mulheres do 1º distrito da Capital. Entretanto, foi como professor de Botânica no Liceu Cuiabano que se destacou. Quando foi nomeado para a fiscalização, não era o que esperava, então aceitou, em 1910, o cargo de juiz de Direito da comarca de Nioaque, no sul do estado.
Na época, Nioaque e Corumbá eram as cidades mais importantes e existiam somente três comarcas onde hoje é o Mato Grosso do Sul: Corumbá, Miranda e Paranaíba, sendo Nioaque localidade pertencente a Miranda. Campo Grande era parte de Nioaque.
Em 1911, após grande pressão política, o então governador de Mato Grosso, Pedro Celestino Correia da Costa, transformou Campo Grande na quarta comarca do futuro estado. E já que Arlindo demonstrou vontade de se transferir, foi nomeado o primeiro juiz de Direito de Campo Grande, aos 27 anos. Entretanto, uma desavença com o então chefe de polícia o fez, em 1912, renunciar ao cargo, sem se retirar da cidade.
Após renunciar ao cargo de juiz, Arlindo passou a exercer a advocacia em uma área pioneira no Estado: a divisão de terras. Em 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas, foram nomeados interventores nos Estados e como o de Mato Grosso era um homem de pouco planejamento, o orçamento tinha sérios problemas.
Arlindo então foi chamado pelo Governo Provisório para relatar tal problema e, junto com Eduardo Olímpio Machado, foi preso em Cuiabá. Quando a notícia chegou a Campo Grande, vários grupos armados se articularam para resgatá-los. Avisado por telegrama da tensa situação, o interventor ordena a libertação de ambos, que se tornam heróis.
Em 1934, escreveu o livro "Erros da Federação" e relatou o conturbado período. Com a morte de um de seus filhos, ficou ainda mais desanimado com a vida pública e mudou-se para Campinas. Falece em São Paulo, vítima de falência do miocárdio. Arlindo de Andrade Gomes é o patrono da cadeira de número 21 da Academia Sul-Mato-grossense de Letras.
O prefeito - Em 1921, quando as figueiras foram plantadas, Campo Grande tinha pouco mais de 8.000 habitantes, embora o município tivesse 21.360 habitantes, considerando toda a zona rural e uma extensão que ultrapassava os 100 mil km2.
A cidade tinha mais de 950 casas de alvenaria, mais de 100 casas comerciais, duas agências bancárias, cinco hotéis, 58 automóveis, rede telefônica e iluminação elétrica. A prefeitura funcionava em prédio próprio na esquina da Rua Calógeras com a Av. Afonso Pena, ao lado da Biblioteca Municipal - que depois abrigou a Câmara Municipal, o Fórum e a sede do Rádio Clube - e era de lá que Arlindo Gomes administrava a cidade.
O prefeito Arlindo convidou Camillo Boni e Arnaldo Estevão de Figueiredo para ocupar os cargos mais importantes para revolucionar a administração municipal e criar as bases para o desenvolvimento urbano e econômico de Campo Grande.
Cronologicamente a primeira grande obra da administração foi a negociação para que Campo Grande abrigasse os quartéis militares programados pelo Ministro Calógeras. Com esse intento, Arlindo Gomes desloca o eixo militar mato-grossense de Corumbá para Campo Grande e a cidade atinge o seu segundo grau de desenvolvimento - o primeiro foi a partir de 1914, com a estrada de ferro.
Com os quartéis vieram as tropas e a cidade se encheu de gente e de poder. Os militares necessitaram de uma rede de água própria para abastecer os enormes edifícios e mais uma vez, Arlindo intercede para que a rede, que vinha das nascentes do Segredo, pudessem abastecer as mais de mil casas existentes. Em 1922 a cidade passou a ser abastecida com água potável.
Vendo a cidade crescer, o prefeito Arlindo Gomes aprova o Código de Posturas, por meio da Resolução 43, de abril de 1921, e um das normas mais importantes estava relacionada com a arborização da cidade, pois o código obrigava o plantio de árvores no terreno e criava condições tributárias para sua manutenção. Para dar o exemplo, Arlindo plantou as árvores do canteiro central da Av. Afonso Pena e as regava, toda tarde, ao sair do expediente.
Ainda em 1921, na atual Praça Ari Coelho, Arlindo mandou construir o Coreto, em estrutura metálica vinda de São Paulo, e urbanizou o espaço com pérgulas e calçamento. Outra grande ação de Arlindo foi criar condições para que o governo federal desapropriasse uma enorme área para criar a Fazenda Modelo e assim, a Fazenda da Embrapa, localizada na saída de Corumbá, deve suas terras ao juiz administrador.
Na área social, preocupado com a pequena quantidade de vagas nas escolas públicas, Arlindo Gomes mandou construir o Grupo Escolar Joaquim Murtinho, mudando a história do ensino público em seu tempo.
Campo Grande em 1922 (Foto: Arca/Divulgação)
Av. Afonso Pena quando as figueiras foram plantadas (Foto: Arca/Divulgação)