ECA completa 33 anos em defesa da infância
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 33 anos de existência jurídica, em defesa da infância, nesta quinta-feira (13). Seguem algumas ponderações de associados que lidam com essa competência.
Para a Desa Elizabete Anache, responsável pela Coordenadoria da Infância e Juventude de MS (CIJ), o ECA tornou a infância visível porque o Estado, a sociedade e as famílias conhecem seus deveres.
“Como toda lei, o ECA deve ser aprimorado e atualizado em razão da sociedade ser dinâmica, pois a legislação deve acompanhar as mudanças. Contudo, acredito que possíveis discussões não devam ficar restritas a alterações nem sua eficácia deve ser contestada. O que se pode e deve-se discutir é a aplicação efetiva do estatuto, visto que pontos importantes previstos ainda não são cumpridos”, disse a desembargadora.
Para a juíza Katy Braun do Prado, da Vara da Infância, da Adolescência e do Idoso de Campo Grande, o ECA vem sendo reconhecido, ao longo das mais de três décadas de existência. Ela defende que a sociedade não tolera mais negligência e violência contra crianças e adolescentes, distanciando-se da tradição cultural de que os filhos são propriedades dos pais e que as pessoas ‘de fora’ não devem se intrometer nas questões familiares.
“Cabe à família, à sociedade e ao Estado avaliar com rapidez os danos para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social de crianças e adolescentes e construir estratégias para garantir, com absoluta prioridade, os direitos da infância e adolescência. Lei boa para isso não falta: o Estatuto da Criança e do Adolescente”.
A juíza Lídia Geanne Ferreira e Cândido, de Chapadão do Sul, é outra a entender que muito se avançou com o ECA, embora ainda haja mais a concretizar. Ela defende que é preciso implementar os direitos e garantias assegurados, sobretudo, pela simbiose que a proteção integral desde a infância tem consequência direta na juventude, que deve ser igualmente tratada com prioridade absoluta.
“O respeito às diversidades e individualidades, ‘sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição’, segundo o próprio ECA, também deve ser exaltado. Os aspectos relacionados aos adolescentes em conflito com a lei merecem tratamento adequado, com atenção e cuidado, para que sejam adequadamente aplicados, aproximando-se mais da verdadeira justiça socioeducativa”, garante Lídia.
A magistrada acredita na necessidade de se refletir que mais importante que se pensar em novas conquistas é se efetivar as já previstas, cumprindo a prioridade absoluta e a proteção integral que devem reger a atuação na infância e juventude, por todos, seja pela sociedade, pelo Estado, pela rede de proteção e pelos atores do sistema de justiça.
“Os direitos das crianças e dos adolescentes exigem que a atividade seja realizada em conjunto, com objetivos comuns, e isso requer muita dedicação para que possamos concretizar as conquistas do ECA e avançar na proteção daqueles que representam o futuro e precisam dessa implementação, com destinação de recursos públicos, com atuação precoce dos órgãos, oitiva e participação dos protagonistas, com acompanhamento prioritário, sempre no interesse superior da criança e do adolescente”, completa.
Titular na comarca de Rio Negro, o juiz Bruce Henrique dos Santos Bueno Silva aponta que desde a entrada em vigor do ECA até os dias atuais, houve avanços significativamente na forma de aplicar o direito em geral. Ele lembra que houve alterações no direito civil, especialmente no que se refere à noção de família e à guarda. No direito penal, segundo Bruce, houve avanços no combate aos crimes sexuais contra vulneráveis e nas melhorias no processo de escuta de crianças e adolescentes, como a implementação do depoimento especial.
“Passados 33 anos, considero que o Estatuto atingiu sua maturidade. Foi objeto de reiteradas alterações, mas sua base principiológica resistiu ao teste do tempo. Na verdade, seus princípios se tornaram fundamentais para pensar sistematicamente a proteção dos direitos dos vulneráveis, como idosos, pessoas com deficiência, entre outros”, completou.
A juíza Melyna Machado Mescouto Fialho, da comarca de Jardim, destaca que a partir do ECA foi introduzida, pela primeira vez, a distinção entre ‘criança e adolescente’, em razão do critério cronológico por faixa etária, de modo a considerar crianças as pessoas de até 12 anos incompletos e adolescentes, os que estão na faixa etária entre 12 e 18 anos.
“Apesar de seu caráter inovador e garantista da legislação infraconstitucional, críticas surgiram sobre a ausência de ponderação acerca dos diferentes contextos sociais e culturais a que crianças e adolescentes poderiam estar inseridos. Ainda persiste um abismo a desconsiderar a diversidade de gênero e raça, o que revela um campo propício à reflexão. É preciso considerar que o papel da criança e do adolescente sofre grande modificação a depender do contexto social e cultural a que estariam inseridos, e qualquer medida de proteção de direitos deve considerar essa realidade. Por esse motivo, o papel desempenhado pelo Poder Judiciário, ao ampliar as perspectivas e caminhar em busca de uma abordagem mais apropriada, assume grande relevância, na proteção de direitos das crianças e adolescentes”, finalizou Melyna.
Saiba mais - Constituída no dia 13 de julho de 1990, a Lei nº 8.069/1990, mais conhecida como ECA, tornou-se um marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil, já que surgiu para garantir a proteção efetiva de crianças e adolescentes brasileiros sob os cuidados de uma legislação específica.
Nesses 33 anos o ECA sofreu alterações e novas leis em defesa da infância ingressaram no ordenamento jurídico como, por exemplo, a Lei da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), que implica o dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância; a Lei nº 12.594/2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e a Lei 14.344/22, conhecida como Lei Henry Borel, com propósito aperfeiçoar o microssistema de garantias infantojuvenil.