Partidos e coligações - amigos e (mui)amigos!
Por minha formação, considero que os amigos são efetivamente amigos, e aqueles que não se encaixam nessa categoria não significa que são inimigos, mas talvez venham a ser pessoas que simplesmente não conheço, ou com quem não tenho afinidade.
Esses conceitos pessoais são volta e meia postos em dúvida.
Nessa reformulação diária de valores pela qual todo ser humano passa, os conceitos de fidelidade, honradez, amizade e cumprimento da palavra foram postos em jogo em recente discussão nacional.
É a luta que os partidos políticos passaram a traçar dentro dos tribunais para querer rediscutir quem deve ocupar a cadeira do legislativo no caso de vacância do titular: deve assumir o posto o candidato melhor colocado de acordo com a coligação formalizada para determinada eleição, ou deve ser preenchido pelo melhor colocado do partido, desconsiderando-se a coligação?
O raciocínio sobre as coligações parecia simples – ela oferece vantagens aos partidos, e é por isso que se unem.
Contudo foram postos em julgamento perante o STF, no último dia 27, dois mandados de segurança que discutiam justamente isso, ou seja, se no caso de vacância de um posto do legislativo, deve assumir, no lugar do titular, o candidato que se classificou em melhor posição quando da apuração levando em conta só os membros do partido do titular afastado, ou o que se classificou melhor levando em consideração a coligação formalizada para a eleição específica.
A tradição jurídica nacional é de que a vaga deve ser do melhor classificado segundo a coligação. O raciocínio para se adotar a referida posição parecia ser óbvio e, por tal motivo, não era questionado. Ora, se dois ou mais partidos se coligam para determinada eleição, isso se dá em decorrência das inúmeras vantagens para todos: a coligação atinge de forma mais fácil o quociente eleitoral, o tempo no horário eleitoral gratuito fica maior e, principalmente, existe a possibilidade de se eleger um número maior de candidatos que têm certa afinidade política. A coligação sempre foi e deve continuar sendo vista como um partido único quando da eleição.
É claro que, passadas as eleições, a coligação se dissolve, uma vez que ela foi criada em função da eleição. Mas não há dúvida de que os efeitos jurídicos dela, e da própria eleição, deveriam permanecer por todo o período do mandato.
Mas o mais importante de tudo é que ninguém, ou melhor, nenhum partido é obrigado a se coligar. Se a coligação foi feita, isso se deu de forma voluntária! A formação da coligação não pode ser ignorada enquanto ela puder gerar efeitos.
Contrariamente a tudo isso, surgiu a tese de que, passado o momento da eleição, os efeitos da coligação deixariam de existir. E como conseqüência, no caso de vacância de uma cadeira do legislativo, o posto seria do partido da pessoa que deixou a cadeira. Na verdade a tese levantada trouxe para a sociedade a impressão de que, passadas as eleições, a regra, que era de ser fiel um ao outro, teria sido substituída pela infidelidade. Defendeu-se que o importante não é ser amigo, mas sim mui-amigo. Defendeu-se que, enquanto for interessante, o partido deve ser parceiro do outro, mas passados os interesses iniciais, deixa-se de ser parceiro para ser adversário.
Felizmente a referida tese foi agora afastada pelo STF. Seguindo o voto da Ministra Carmen Lúcia, os ministros da corte constitucional, mais do que julgarem uma questão eleitoral, o que fizeram foi uma afirmação social. Uma afirmação de que os valores que devem ser seguidos são o da fidelidade, honradez e segurança. Aliás, o princípio que norteou o voto da Ministra Carmen Lúcia foi o Princípio da Segurança. O STF afirmou que amigo deve ser amigo, e não um mui-amigo.
Enfim, as coisas foram postas no seu devido lugar.
Olivar Augusto Roberti Coneglian
Juiz de Direito
Presidente da AMAMSUL
Mestre em Direito Constitucional
Especialista em Direito Eleitoral