Divo e o “curimba malhado”.
Uma homenagem aos atletas magistrados.
Já deu para perceber que “DIVO” é um nome de fantasia. Divo é uma mistura de “parranaense” com “catarrinense”, ou seja, mais ou menos o que se poderia chamar de “gato por lebre”. É na verdade uma figura que, quem não conhece, deveria conhecer. Esperto, olhar matreiro, detalhista, capaz de perceber um detalhe identificador, numa fração de segundos. Olha para uma pessoa e imediatamente percebe o detalhe e daí já tasca logo um apelido, quase sempre acertado, como por exemplo: o “gelatina”, o “mãozinha”, o “grália”, o “velho barreiro”, o “leitoa”, o “cuco”, o “manchinha”, o “lumbriguinha”, o “curimba”, o “alfinete”, o “tuba”, o “mão de quiabo”, o “touro mocho”, o “biguá”, o “bate fácil”, o “pit bulzinho”, o “grave”, o “chato”, o “oitenta e dois”, o “12.915” o “12.907”, o “bode”, o “chibarro”, o “bodão”, e muitos outros que não me vem, no momento, à memória. Tudo isso, sem contar com os novatos que estão chegando e que, por certo, merecerão a avaliação do Divo. Aliás, é bom que os novatos entrem logo no esquema, porque o Divo está na comissão de avaliação e portanto, toda jogada tem que passar por ele, caso contrário vão correr o risco de não serem confirmados no cargo.
Divo é hoje o chefe de muita gente, está no topo de sua carreira, mas ainda conserva-se como se fosse um bronco, um animal mal domado, um “touro pantaneiro”, um “marruá”, daqueles que só sai do capão de mato, quando ninguém está por perto e quando sai para encontrar com seus pares, fica sempre num canto, como se fosse um “turuno velho”, guardando todas as energias para dar uma última investida na preservação da espécie.
Divo, em que pese os seus quase 120 kg, é um atleta. Joga com a camisa número 10, uma espécie de meia de ligação que no futebol é a função exercida pelo atleta que faz a ligação entre a defesa e o ataque. Divo, o nosso atleta, interpreta essa função ao pé da letra, toda jogada tem que passar previamente por seus pés, fazendo lembrar o Jerson da seleção brasileira, o Didi do botafogo dos anos 40 ou até mesmo o Rivelino do Fluminense ou do “timão”. Divo recebe a bola e tasca um “ três dedos”, fazendo com que a bola venha como se fosse um disco voador, chegando mesmo a estacionar na frente do atacante. Muitas vezes erra, aliás como todo grande atleta, mas nada que possa comprometer a plástica da jogada, que quase sempre é aplaudida pelos que estão no banco: “é isso ai divo!...sabe tuuudo esse garoooto!”. Outras vezes a bola que era redonda vem toda quadrada, quase sempre impossível de ser dominada, mas ninguém reclama, isto porque, o erro é sempre derivado de culpa. Quase sempre a culpada é a bola que não está em condições, as vezes da chuteira que não está perfeita ou até mesmo da grama que foi mal cortada.
Certo dia, ao fazer um lançamento, sem olhar para a bola, digamos assim “a lá Jerson” e ao invés de acertar a bola, acertou o chão, arrancando uma lapa da grama, imediatamente olhou para o velho João, aquele que cuida do gramado e destravando a metralhadora, lascou uma rajada de impropérios, culminando por ameaçar o pobre coitado- “dá próxima vez você vai cortar a grama no dente”. O certo é que, quando acerta um passe, olha para a plateia dá um urro, como se fosse um URSO BRANCO, bate no peito como se fosse um GORILA e grita como se fosse o TARZÃ, dizendo: “ ESTOU FICANDO CEGO, NÃO ESTOU ENXERGANDO DIREITO”, arrancando aplausos dos “puxa –sacos” de carteirinha que lotam as arquibancadas.
Nosso personagem, o Divo, não tem defeitos, é um cara perfeito, só tem virtudes, umas são ótimas e outras não muito boas. O certo, contudo, é que “no frigir dos ovos” sempre tem um saldo positivo.
Divo, hoje joga futebol suíço, mas antes jogou futebol de salão, onde foi um grande ala, uma espécie de Falcão. Perfeito domínio da bola, jogadas de efeito, passes fantásticos e quando chutava era indefensável. Antes de aportar em Campo Grande, Divo passou, como já disse, pela fronteira, onde escreveu seu nome na galeria da fama de todos os ginásios de esportes, tanto do lado brasileiro como do lado paraguaio. Tinha uma jogada que era imbatível: É dada a saída, “tuba” rola a bola, mais ou menos uns dois metros do “garrafão”, o “pivô” dá um toque e o nosso craque Divo, vem de trás e solta um bico que, se o goleiro for esperto, sai correndo antes de a bola chegar.
Hoje vou contar um fato que ocorreu num desses jogos na quadra de esporte lá da fronteira, envolvendo o nosso Divo e o pobre do “curimba” que foi parar no hospital, completamente desacordado e que até hoje, não sabe como foi parar naquela casa de saúde:
Fazia muito frio, cerca de 3º (três graus), mais ou menos, porém mesmo assim, o jogo foi marcado para ter início por volta das 19:00 horas. O time do Divo estava completo: No gol, “Duda”, um paraguaio que aos domingos saia de casa já fardado de goleiro e percorria todos os ginásios e campos dos dois lados da fronteira. Divo e “tuba” eram os alas, o “preto” no meio e João Franco como pivô. Todavia, o time convidado não estava completo, faltava o goleiro, sem o qual não dava para iniciar a partida. O craque Divo, fazia aquecimento, treinava a jogada principal; “tuba” acertava a pontaria e enfim, aguardavam o goleiro que não chegava. Lá pelas tantas, adentrou no ginásio, o “curimba”, vinha vestindo calça jeans novinha, sapato social e uma camisa de linho branco de colarinho engomado, ou seja, estava vestido como se fosse para uma festa. Subiu para as arquibancadas, tirou o lenço branco do bolso, colocou sobre o assoalho e sentou-se confortavelmente para assistir ao jogo, onde seu amigo Divo, pretendia apresentar maravilhosas jogadas. Era conhecido e amigo do “curimba”, afinal trabalhavam juntos na mesma repartição. Divo teve uma idéia genial: convencer o ‘curimba” a jogar no gol do time adversário. O “curimba” relutava: “nada disso”, “eu não sei jogar, só estou aqui até a hora da missa”. Divo contra-atacava: “não vou chutar forte e só para colaborar com a gente, não precisa tirar nem os sapatos”. A insistência foi tanta que o pobre do “curimba” resolveu colaborar, afinal “atacar no gol” não era tão difícil, era só ficar meio agachado e abrir os braços e tudo ia dar certo. Pronto, lá se foi seu amigo “curimba” para o gol adversário, arremangando as barras da calça e as mangas da camisa branca de linho, assumindo aquela posição dita pelo Divo, como sendo a posição do goleiro e assim, confiante na palavra de seu amigo, de que ninguém chutaria forte, teve inicio a partida. Bola pra cá, bola pra lá e de repente, Ivolim Monteiro o craque do time adversário, chuta e faz o primeiro gol e quando comemorava, passou pelo Divo dizendo “chupa essa Divo”. Pronto, bastou isso para despertar no Divo o leão adormecido que trazia no peito, com desejo incontido de vingança, para esquecer a promessa que havia feito: não chutar forte em direção ao gol onde seu amigo “curimba” permanecia naquela posição de goleiro quando vai “atacar um pênalti”. Ao reiniciar o jogo, deu a voz de comando: “nada de aliviar, agora é pra valer, vamos na jogada número um”, previamente ensaiada: João Franco rola para “tuba” e este ajeita para o Divo que vinha de trás, bater de bico, ali mais ou menos uns dois ou três metros da entrada do área. Quando isso aconteceu, quem conhecida o chute do Divo foi logo saindo da frente, restando tão somente, como já disse, o pobre do “curimba” que não sabia a potência do chute de seu amigo e até mesmo, porque, Divo, lhe havia prometido, que não chutaria forte. Ali estava ele, naquela posição de goleiro, meio agachado, com os braços abertos e olhar fixo no seu amigo, esperando apenas um leve toque, pensando em pegar a bola e “ir para a galera”. E qual não foi sua surpresa, quando viu que o Divo, correndo para a bola, largou um “torpedo”, ou seja um chute de bico, com tamanha violência, que a bola viajou como se fosse um cometa, chegava a largar fumaça, fazendo uma cauda em chama. A bola já não era redonda, parecia mais uma estrela cadente. “Preto”, ainda tentou visar: “sai da freeeente”, mas foi em vão, ela já tinha atingido a testa do “curimba”, desviando sua trajetória para o alto, passando pela rede nos fundos do ginásio, varando a cobertura e foi parar sabe-se lá onde. Tem gente que, até hoje, jura ter visto naquela noite um cometa passando pela fronteira. O pobre do “curimba”, coitado, ao receber o impacto, foi parar nos fundos do gol, enrolando-se com a rede e indo a nocaute. “Socorre o curimba”, gritava o Divo, pega pelos pés, puxa pra cá, faz respiração boca a boca e nada, “curimba” estava, literalmente, desmaiado. O barulho foi tanto, que uma ambulância foi chamada para socorrer o quase falecido. Já no hospital depois de ser medicado, recobrou os sentidos, mas até hoje não se lembra, como foi parar na frente do médico, a última recordação que tinha na mente, era até o momento em que estendia o lenço na arquibancada. Nos dias de hoje, passados mais de 20 anos, ainda tem nas costas as marcas da rede, assim como se fosse um “curimba malhado”, não passa nem perto de um gol e nunca mais foi assistir um jogo num ginásio de esportes. Divo, por outro lado, torce para que o “curimba” nunca venha se recordar do acontecido, embora o crime já esteja prescrito.
O nosso Divo, agora continua reinando nos campos de futebol da AMAMSUL- Associação dos magistrados de Mato Grosso do Sul, mas é certo que, lá onde joga, o espaço aéreo é considerado área de risco, nenhum piloto tem autorização para sobrevoar aquele espaço, salvo o “Barbeta” que é um louco e continua se arriscando, em que pese as várias vezes, em que foi obrigado a fazer manobras de alto risco para se livrar dos “cometas” arremessados pelo Divo, nas quartas e aos sábados pela manhã.
Autor: Luiz Carlos Saldanha Rodrigues.
Juiz de Direito Aposentado e advogado criminalista
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