Não há representação política no poder legislativo
Este palpitante tema diz respeito à representação política no Poder Legislativo, matéria estreitamente relacionada com os mananciais da ordem jurídica.
Com efeito, dispõe o art. 1º, Parágrafo único, da Constituição da República:
- Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Precioso princípio este, mas que alcance tem na vida política nacional?,
O problema da representação do povo, ou seja, da representação política, vem sendo uma de minhas grandes preocupações desde o meu tempo de estudante. Carrego a convicção de que a eficiência do regime democrático depende, em grande parte, da legitimidade dessa representação.
Ante a calamidade crônica das Câmaras Legislativas, confesso que há muita ficção na velha fórmula da representação política no Brasil.
Para melhor compreensão, é mister fazermos a distinção entre povo e multidão amorfa, povo e massa, dado que são dois conceitos distintos. Dessa distinção desponta a caracterização do poder legítimo. É o que penso. No meu entender, massa implica homogeneidade. A massa de pão, por exemplo, é homogênea, porque cada porção da massa é igual a todas as outras porções. Mas o povo, não é homogêneo. Não é um aglomerado de porções iguais. O povo é essencialmente heterogêneo, uma vez que se compõe de grupos sociais diferenciados, de instituições e corporações diversas, de associações e uniões específicas.
O povo é um todo, contudo um todo composto de comunidades discriminadas, de “corpos” distintos. É um só todo, sim, mas um todo feito de partes diversificadas e organizadas. É um todo complexo, um pluralismo de ordenações. Suas partes coexistem, ligam-se umas às outras, na trama da vida. Mas essas partes são individualizadas, são sociedades inteiras, são corpos componentes do corpo maior, a nação brasileira.
Ora, a sociedade é feita de instituições, e cada instituição apresenta três notas essenciais: uma idéia a realizar; uma ordenação interna e um governo. Cada parte do povo é um corpo social organizado, com seus objetivos, sua forma, sua especialidade, sua fisionomia.
O povo é formado de famílias, comunidades, associações, uniões, alianças, ligações, vinculações, congregações, institutos, corporações, sociedades, empresas, categorias profissionais, sindicatos, centrais, classes, quadros, grupos de pressão, frentes, partidos, federações, confederações, pactos, ligas, ordens, centros, círculos, grêmios, clubes, escolas, universidades, academias, igrejas,ONGS etc...
Temos, assim, que o povo é mais feito de instituições do que de indivíduos isolados. Decorre, portanto, que o desconhecimento dessa realidade fundamental impede uma visão verdadeira das condições em que se desenrola a existência normal das sociedades.
De fato, o povo real, o povo constituído de seres humanos concretos, de pessoas com suas vidas individuais, vidas efetivamente vividas, esse povo complexificado nada tem a ver com as coletividades que se tenham conformado a ser massas humanas. De massas humanas, não pode emanar o Poder legítimo. As massas são tangidas, não são fontes do Poder. Não há democracia autêntica onde o povo é reduzido a massa. Os Governos das massas são os Governos de força ou governos em que a democracia ainda é incipiente, é ensaio de Democracia, Democracia de fachada, mera Democracia do faz-de-conta.
Num país em que os representantes do povo, nos órgãos legislativos e planejadores do Governo, fossem, puramente, representantes da massa, eleitos por um sufrágio universal cego, o povo real não teria autênticos representantes nos referidos órgãos. Nesse hipotético país, os representantes da massa, não seriam representantes do povo. Não seriam representantes de coisa nenhuma, porque, nos órgãos legislativos do Governo, ninguém (ou quase ninguém) pode ser representante da coletividade inteira. Receberiam o nome de representantes, mas seriam representantes por pura ficção.
Os partidos políticos, mesmo somados uns aos outros, não conseguem exprimir toda a realidade, nesse pluralismo heterogêneo, das sociedades humanas. Por mais que se proclamem “portadores dos apelos da coletividade”, “a voz do povo”, os partidos jamais constituem, em seu conjunto, a realização efetiva daquilo que se dizem ser. Tentações eleitorais, negociações políticas irresistíveis, alianças, fraquezas éticas, violações dos programas registrados, traições parlamentares, tudo isto, antes de mais nada, confere ao complexo partidário, uma vida própria, completamente separada da vida do povo e, não raro, uma vida em conflito e dissociada dos anseios da coletividade.
Todavia, são os partidos políticos indispensáveis, no jogo pelo Poder. Indispensáveis para todo o encaminhamento do processo legislativo. Indispensáveis para fiscalizar o cumprimento das leis e para formar um poder apto a refrear o Poder. Mas, em verdade os partidos constituem uma só espécie do imenso gênero de grupos sociais existentes. Os políticos dos partidos não são delegados do sem-número de entidades, de que a sociedade é feita. Ora, a vontade dessas entidades não se exprime, em sua inteireza, pela voz dos partidos no Congresso Nacional. Porção imensa dessa vontade se manifesta fora dos partidos políticos e fora do Parlamento. Manifesta-se nos grupos sociais ou comunidades em que a população efetivamente vive, nas instituições a que se vinculam os interesses existenciais das pessoas.
Posto isto, a legítima representação política, repousa na manifestação da vontade dessas várias correntes formadoras do pluralismo de ordenação social, como acima analisado. Isto toca de perto, muito estreitamente, ao problema da iniciativa das leis, numa verdadeira Democracia.
Em razão dos escândalos que se sucedem, dia a dia, no Congresso Nacional, ora com político ocultando dólares na cueca, ora com o mensalão e o escândalo das ambulâncias, na operação sanguessuga, de conhecimento geral, temos que medida enérgica deva ser tomada, visando a moralidade da vida pública nacional. Preconizamos a punição dos corruptores e corruptos, eis que a corrupção tem pólos ativo e passivo, com o bloqueio dos bens dos agentes desses crimes de lesa-pátria e seu banimento perpétuo da vida política nacional. Somente assim, novos horizontes de decência se descortinarão em nossa convivência democrática. Dando seqüência à profilaxia que ora propomos, em conformidade com a vontade dos cidadãos que tanto se indignam, doravante, a cada parlamentar cassado, dever-se-á declarar a vacância paulatina de assentos no Congresso Nacional e substituir cada vaga por um Departamento das Instituições Representativas do referido pluralismo de ordenações, formado pelas sociedades humanas. Essas Instituições Representativas, receberiam as sugestões da sociedade, numa autêntica iniciativa das leis, a legitimar a representação política em nosso País.
Como visto, o tema é amplo, demasiadamente, para caber num só artigo. Voltaremos, pois, noutra oportunidade para a continuação desta análise, a respeito da legítima representação política no Brasil.
De Campo Grande-MS, para Brasília-DF, em 28 de fevereiro de 2007.
MANOEL JOSÉ DE ARAÚJO AZEVEDO NETO
=Associado da AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros=
=Juiz de Direito aposentado no Estado de Mato Grosso do Sul=
=Ex-candidato a Deputado Federal pelo PT do B=
=Advogado militante – OAB-MS sob nº 7.107= =Bacharelado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo=