Juiz explica como funciona Vara de Sucessões na Capital
A Vara de Sucessões é responsável pelos processos de inventários, que tratam sobre a partilha de bens deixados por familiares falecidos a seus respectivos herdeiros. Atualmente, existem cerca de cinco mil processos em trâmite na Vara de Sucessões da Capital, mas o principal problema,
ao contrário do que o imaginário popular idealiza, é o comportamento das partes envolvidas nesse processo, que pode se tornar uma verdadeira luta e durar anos.
Para esclarecer dúvidas dos leitores do site MS Notícias, o juiz auxiliar da Capital Luiz Felipe Medeiros Vieira, que está à frente da Vara de Sucessões, explicou detalhadamente os procedimentos do processo de inventário e como resolver os problemas que surgem durante o trâmite.
A entrevista foi concedida para a jornalista Heloísa Lazarini e as imagens são de Jhonathan Dias.
MS Notícias: A partir do momento em que se dá entrada no processo de inventário qual é o procedimento?
Luiz Felipe Medeiros Vieira – O procedimento de inventário para o juiz é muito mais administrativo que jurídico. Na maioria dos processos não há questão jurídica de alta indagação, ou seja, não tem questão de difícil solução. O juiz administra para chegar ao final, observa o que a lei exige e vê se o inventariante, por intermédio de advogado, cumpre o que a lei determina para chegar ao final e homologar a partilha proposta.
O juiz administra e quem dá todo andamento ao processo é o inventariante, por intermédio do advogado. Ele entra com pedido de abertura do inventário informando ao juiz: aqui morreu uma pessoa eu sou herdeiro, meeiro, companheiro e estou noticiando, pedindo para abrir inventário. Ele deixou bens e esses bens serão partilhados entre os herdeiros. O juiz defere a abertura de inventário e determina que ele ali junte todos os documentos que a lei exige, que não são poucos. É uma relação enorme de documentos. A partir desse momento começa o entrave porque são muitos documentos. Certidões da prefeitura, da União, da Fazenda Pública Federal, do cartório de registro de imóveis, dos herdeiros, se o herdeiro é casado da esposa ou esposo. Isso demanda tempo. A lei fala em 20 dias, mas é quase impossível o cumprimento.
A partir desse momento a busca pelos documentos começa a atrasar o processo e depois de juntar todos esses documentos, muitas vezes, o inventariante pede prazo para juntar mais documentos. Quando se pede para juntar uma petição, por exemplo, essa petição vem novamente para eu analisar e definir prazo. Depois de juntar todos os documentos vem a proposta de partilha. Se não tiver nenhum problema entre os herdeiros, compete ao juiz apenas homologar. Veja bem, até esse momento, o juiz apenas homologou, deferiu abertura do inventário. Ao final, depois de cumprida toda aquela série de exigências que a lei determina e apresentar a partilha, a gente homologa. Teoricamente é simples, mas não é isso que acontece. A demora é conseguir todos os documentos e se por ventura houver divergência entre herdeiros é a grande celeuma que se põe aqui, porque vem para o processo toda divergência familiar.
MS Notícias: Em caso de divergência entre familiares, qual o procedimento da lei?
Luiz Felipe - A partir desse momento o processo torna-se um litígio, mas é um litígio diferente porque envolve irmão, irmã, família, às vezes com pai ou mãe sobrevivente ou avô. Mais que um problema, envolve um drama familiar. Aquele processo que inicialmente era palco para aplicação da justiça virou na verdade um ringue. Até brinco que é um octógono para disputa de MMA e os herdeiros acabam virando lutadores, e isso não tem fim e atrasa. Alguém que está na administração do bem não quer deixar justamente para prejudicar o outro ou outro herdeiro quer prejudicar o inventariante. Uma série de problemas pessoais são trazidos para cá.
Muitas vezes adoto a prática, não é de hoje, e marco uma audiência. Embora o código não preveja especificamente audiência, eu chamo todos: herdeiros, advogados, e começo dizendo que tenho dois problemas para resolver: um é fácil, que é o processo, e o outro é o familiar, que é essa rusga, esse drama, esse trauma que vem para o processo e que a gente tem que resolver. Temos tido êxito nessas audiências, mas isso às vezes atrasa o processo.
Temos um processo de quase 30 anos que foi chamado pelo núcleo de mediação do Tribunal de Justiça e, depois de quatro audiências, está chegando ao fim. Como aquele aqui temos vários processos assim. Então, esse também é um ponto, talvez o principal que mais atrasa o processo: o comportamento das partes. Para o processo andar precisa primeiro ter um juiz que trabalha. Eu não sou o melhor, mas também não sou o pior e o TJMS antes designava vários juízes para esta vara. Desde outubro, o Tribunal me colocou aqui definitivamente e certamente ficarei um bom período, ou seja, não terá mais rotatividade de juiz.
Segundo, a ação dos advogados (pois toda parte sempre é assistida por advogado) e o advogado tem que conhecer o Código de Processo Civil para poder agir. Isso ocorre com frequência aqui: o desconhecimento. Infelizmente, o advogado não consegue aplicar o Código de Processo Civil de forma efetiva para que a gente finalize o processo. Eu tenho uma média de 20 a 30 atendimentos por dia. Nesses atendimentos, 70% é consulta em relação ao que ele deve fazer na etapa seguinte.
E terceiro é o comportamento das partes. Se a parte chega aqui com esse espírito beligerante, com comportamento de luta, pode ter certeza que esse processo vai demorar. Mas se as partes chegam aqui com espírito tranquilo, o processo flui rapidamente. Esses três fatores, o juiz, o conhecimento do advogado e o comportamento das partes fazem o processo andar. Temos que conjugar esses fatores, mas o que mais atrasa hoje é o comportamento das partes.
MS Notícias: Qual é o próximo passo depois de conseguir consenso entre as partes?
Luiz Felipe – Se não tem nenhuma briga, se os documentos estão todos no processo, basta apenas "recolher o imposto". Aí entra outro fator, pois hoje todo mundo sofre carga tributária terrível e aqui não é diferente. Sobre o patrimônio do espólio, ou seja, sobre aqueles bens que serão divididos para os herdeiros incide um imposto estadual de alíquota de 4% e não é fácil pagar mais 4%. Normalmente as partes não têm esse dinheiro para pagar, e isso tem que ser pago antes da conclusão do inventário. O fisco estadual tem uma fome tributária gigantesca que exige 4% e é mais um entrave, é o entrave final. Depois de resolver todas as questões, tem a exigência tributária e nós não podemos passar por cima dela, é o que a lei determina. Então, tem que pagar mais isso e tem disputa porque, muitas vezes, o Estado avalia o bem em um valor muito superior ao que realmente vale. Aí já incide um litígio. Eu tenho que mandar avaliar, o avaliador vai lá fazer avaliações. Se alguém não concorda vai fazer uma impugnação e, superado isso, a gente homologa e expede formal de partilha.
Só que isso, todos esses pequenos entraves, vão ocasionando atraso em todos os processos porque à medida que vem uma petição e eu tenho que parar para analisar, o outro processo vai esperar. Na medida em que um irmão briga com outro, ele peticiona e tenho que olhar e isso vai criando uma bola de neve.
Eu gosto de trabalhar com estatística. Quando cheguei aqui tinha a preocupação em saber se era problema de distribuição, se entrava muito processo aqui na Vara de Sucessões, então peguei relatórios e olhei: 1.845 processos entraram em 2013. É baixo. Para o contexto do judiciário nacional é baixo, dá uma média de 155 processos por mês. O Tribunal olha um número desse e vê que 155 por mês é um montante razoável, que não comporta a criação de uma segunda Vara. Vamos supor: dividir 155 por duas varas, ficaria com menos de 80 processos por mês por vara. É um custo que o Tribunal analisa e nem tem necessidade de se criar. Então, não é problema de distribuição, não entra tanto processo. Fui analisando exatamente isso.
Primeiro não parava juiz, porque quando tem um juiz só o tempo todo o processo vem e dá aquela volta; você vê e pega e, por mais que a gente tenha quase cinco mil processos, a gente lembra, dá uma sequência nele. Quando vem um juiz novo, ele não pegou do começou e não se lembra da sequência. Hoje, já rodamos todos processos, então o tribunal já fez a parte dele. O tribunal colocou mais funcionários, o quadro está completo, mas são servidores novos e temos que capacitar. Aqui, a maioria tem menos de dois anos.
Os advogados têm que se atentar mais para o Código do Processo Civil e o comportamento das partes porque a lei não prevê isso. Nós não temos como interferir na audiência e, no final, existe ainda a questão tributária que a pessoa não tem como pagar imposto e o processo fica arquivado. No momento que entram essas petições vai atrasando e chega a essa bola de neve. Hoje, quando chega o processo nós, eu e os assessores, fazemos assim. Eu falo: vamos abrir da primeira e vamos até a última folha do processo, afastar aquilo que tem que ser afastado e decidir aquilo que realmente nos compete. Tem muita coisa que vem para cá que não compete a gente. Podemos demorar uma semana no processo, mas ele terá uma direção final. Então agora, esperamos o comportamento dos outros envolvidos no processo para resolver o mais rápido possível.
MS Notícias: O que fazer quando uma das partes resiste em desocupar o imóvel inventariado? No caso de duas irmãs e um só imóvel, por exemplo?
Luiz Felipe – Se a irmã dela mora ou não na casa, esse não é um problema do processo de inventário. Se ela quer tirar a irmã de lá, ela tem que entrar com uma ação para extinguir aquele condomínio que foi formado a partir do falecimento dos pais, pois morreram os pais e aquele imóvel passa a ser dos filhos. Se ela quer retirar a irmã, tem que acabar com esse condomínio e de que forma? Entrando com uma ação cível. A mim vai competir dizer apenas que essa casa pertence a elas, 50% a cada uma se não tiver outros herdeiros. Caberia, no caso, a meu ver, salvo outra interpretação, ao advogado chamar as partes e dizer: olha, o imóvel é um só. Assinem uma procuração para dizer à justiça que morreu a pessoa, o dono, e só tem essas herdeiras, cabe 50% para cada uma e ponto final. Assim, esse processo demora 30 dias. Se ele juntar todos os documentos, eu vou apenas homologar e dizer que realmente o que ele fez está de acordo com a lei e que cabe metade para cada uma e ponto. Acabou o processo desde que se resolva o imposto.
Agora, a briga anterior sobre deixar o imóvel, isso não é problema do juiz do inventário. Se ela vai sair da casa ou não, é outro problema que vai ser resolvido no juízo cível. A parte quer uma decisão e muitas vezes o advogado vem pedir uma decisão para gente que não é competência nossa. Nós cuidamos apenas da parte dos bens de pessoas que faleceram, que serão destinados para quem e quanto para cada um, só. O ideal é que todas as partes em comum acordo venham até aqui e falem: “estamos em comum acordo, vamos dividir de forma igual. Todos os documentos estão aqui e já recolhemos o tributo”. Isso se chama arrolamento, eu venho apenas e homologo, expeço formal de partilha. Isso, em dez dias, está resolvido.
MS Notícias: Existe prazo para finalizar o inventário?
Luiz Felipe Medeiros Vieira – Se a parte não entrar em acordo, não. Acho que acordo é a melhor solução, não tenho dúvida disso. Por isso que forço, às vezes, o acordo. A questão jurídica aqui é fácil, em 95% dos casos não tem grau de dificuldade jurídica, mas a gente quer resolver o problema da parte. Se você tem três casas e três herdeiros, em vez de ficar cada um com um terço de um bem, vamos ficar com uma casa cada um. Se não der certo, determino que seja dividido em partes iguais, instituo condomínio e acabou minha função, mas as pessoas perguntam: “Vai ficar todo mundo junto na mesma casa?”. Resolvo isso de duas formas: ou vocês se entendem, vão no cartório e acabam com o condomínio ou entram com uma ação na vara cível para avaliar o imóvel e vender em leilão. Nós queremos pacificar, o juiz hoje quer pacificar e resolver o problema do processo. A minha função é muito fácil. Hoje, o andamento do processo depende muito mais do comportamento da parte do que da atividade do juiz. Temos quase cinco mil processos.
MS Notícias: E no caso de pessoas que não possuem condições de custear o processo de inventário?
Luiz Felipe - A Defensoria Pública do Mato Grosso o Sul, que é uma das melhores do Brasil, designou mais de um defensor para tratar dessas questões. O defensor público é muito capacitado e, normalmente, quando vem uma petição da Defensoria Pública aqui me deixa à vontade porque é muito bem feita e eu, simplesmente, administro. O defensor fala para parte: “você vai lá, entra na internet, baixa essa certidão”. Havendo, tributo ele já faz o cálculo e pede para recolher e só entra com ação quando estiver tudo pronto. E o próprio defensor chama as partes e tenta resolver. Normalmente, não vai incidir imposto porque são pessoas que não têm muitos bens, pois incide em hipótese de isenção e a fazenda concorda com isenção e eu homologo. Não demora quase nada, cerca de dois meses.
Assista ao vídeo no http://www.youtube.com/watch?v=-s97LBYmIMs#t=19
Fonte: MS Notícias