Presidente da AMAMSUL é o entrevistado do Fato Notório
O presidente da Associação de Magistrados de Mato Grosso do Sul, Wilson Leite Corrêa, é o entrevistado desta semana do Informativo Jurídico FATO NOTÓRIO e falou sobre a produtividade da justiça de primeira instância e do papel do CNJ para a magistratura brasileira, além dos problemas de saúde a que os juízes estão expostos no exercício da profissão.
Leia a íntegra da entrevista:
FATO NOTÓRIO: Quais são os desafios da magistratura da primeira instância?
WILSON CORRÊA: Por conta do processo eletrônico, o andamento dos processos ficou muito rápido. Os processos chegam muito rápido ao gabinete do juiz e não temos uma estrutura compatível com esta movimentação processual. Precisamos aprimorar a estrutura de gabinete dos juízes de primeira instância, principalmente no interior, onde cada juiz tem apenas um assessor. Antes não tínhamos nem isso. Quando um juiz realiza uma audiência, é este assessor quem o auxilia e, por conta disto, os processos ficam parados. É preciso uma estrutura e suporte ao juiz para que haja tramitação mais rápida dos processos.
FATO NOTÓRIO: O que é preciso aprimorar nas comarcas do interior e da fronteira?
WILSON CORRÊA: Em questões materiais, hoje está boa a situação. Prédios novos, estrutura física também boa. Mas, temos uma grande dificuldade com as empresas de telefonia. O processo eletrônico exige que a rede tenha certa capacidade para operar bem. As cidades menores passam por dificuldades com isto e o juiz tem dificuldade para operar o processo eletrônico nas comarcas do interior.
FATO NOTÓRIO: E o problema de servidores da justiça?
WILSON CORRÊA: Já foi pior. O TJ/MS criou um programa chamado CPE (Central de Processamento Eletrônico) que é um projeto padrão que será aplicado em todo o Estado e pretende transferir para essa central a grande maioria de atos cumpridos nos cartórios. Grande parte dos atos será cumprida na CPE, ficando para as comarcas uma parte menor dos atos e amenizando eventual deficiência de quadro de pessoal.?
FATO NOTÓRIO: Como está a questão da segurança e da saúde do magistrado?
WILSON CORRÊA: Essa questão da saúde do magistrado é preocupante e com o processo eletrônico tende a aumentar, por conta das doenças funcionais. O problema é que os juízes recebem sempre uma carga que é “negativa”: causas criminais, questões cíveis, direito de família, ou seja, nunca é trazida ao Judiciário uma coisa boa, sempre é algo ruim. O ambiente do juiz é muito estressante, todos os dias ele lida com litígios e ele tem a missão de resolver esses litígios. Essa situação de estresse e pressão acabam desencadeando outras doenças como problemas cardíacos, depressão, problemas psicológicos. Nosso ambiente é muito estressante. O CNJ abriu consulta pública para criar uma política de atenção à saúde e o TJMS começa a cuidar da questão. Mas, de fato, não temos nada voltado para a saúde do magistrado. E essa questão das doenças tem aumentado a cada ano.
FATO NOTÓRIO: E existe um programa voltado à segurança do magistrado?
WILSON CORRÊA: Existe uma comissão de segurança no TJ/MS, composta de policiais civis e militares, que presta essa assessoria na parte de segurança. Há questões de inteligência e averiguação de riscos para resguardar o magistrado.
FATO NOTÓRIO: O senhor é a favor do CNJ, acha que ele extrapola em suas decisões?
WILSON CORRÊA: O CNJ é um órgão administrativo e, como tal, a atuação é estritamente na parte administrativa e na parte correcional. Ele tem sido útil ao Poder Judiciário. Algumas atuações são exageradas, mas, como é um órgão recente, tende a encontrar um ponto de equilíbrio. Tivemos atuação de algumas pessoas que passaram por lá e tinham pretensões políticas (A ex-corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, foi candidata pelo PSB ao Senado, na Bahia, e terminou em terceiro lugar) e exacerbavam no exercício da função, talvez até para conseguir popularidade, mas, hoje está em um caminho bom. O atual presidente, ministro Ricardo Lewandowski, é uma pessoa muito equilibrada e preocupada com a magistratura, assim como a atual corregedora-nacional, ministra Nancy Andrighi.
FATO NOTÓRIO: Vimos que a eficiência do TJMS abaixou no último relatório “Justiça em Números”, do CNJ, após ano tendo índice de 100%. Há uma razão específica?
WILSON CORRÊA: O TJMS vinha, por vários anos, entre os primeiros tribunais no que pertine a eficiência. Hoje, basicamente, os processos que são ajuizados são julgados no mesmo ano. Antes tínhamos um grande estoque de processos. Temos uma distribuição anual em torno de 300 mil processos e julgamos uma quantidade de processos nesse mesmo patamar. Temos 400 mil em curso. Fato é que chegamos ao limite, não é possível subir ainda mais estes números. Outros tribunais ainda não haviam adotado políticas para acelerar seus processos e hoje conseguem números mais expressivos na produtividade, números esses que o TJ/MS já alcançou. Esses Tribunais ainda têm estoque de processos “para queimar” e nós já não temos. Por exemplo, um julgamento de recurso no TJ/MS demora de 60 a 90 dias, no máximo. A maioria das causas de primeira instância tramita de forma rápida, não tão rápida quanto em segunda instância. Aliás, a demora em primeira instância ocorre por conta dos trâmites processuais, citação das partes, produção de provas como oitiva de testemunhas, perícias etc.
FATO NOTÓRIO: O que é necessário para manter a produtividade estável?
WILSON CORRÊA: Não temos estoque, volume de processos que estavam represados. Contudo, temos muita demanda. Os juízes têm julgado e arquivado, praticamente, a mesma quantidade de processos que entram cada ano.
FATO NOTÓRIO: A respeito da formação, o senhor acredita que é preciso mudar a formação do bacharel em direito, tanto para magistratura ou advocacia? As universidades estão preparando bem o profissional?
WILSON CORRÊA: A qualidade dos nossos cursos de direito não é muito boa. Nós temos no Brasil inteiro em torno de 20 mil vagas para juízes e apenas 16 mil estão preenchidas. Na maioria dos concursos abertos para magistratura as vagas não são preenchidas, não por excesso de competição entre os candidatos, mas porque as pessoas não conseguem atingir as notas mínimas. Até no exame da OAB, quem sai da faculdade não consegue passar na prova, que é até relativamente simples, comparada com um concurso do Ministério Público ou Defensoria, é um exame simples, na verdade, com bem menos profundidade.
FATO NOTÓRIO: Estudo do Ipea (Instituto de Pesquisas e Econômica Aplicada) afirma que a criação de mais Tribunais Regionais Federais seria cara e desnecessária, e defende a questão da reorganização do judiciário, colocando juízes de tribunais improdutivos naqueles com maior demanda. Em nível estadual, essa medida seria aplicável nas comarcas?
WILSON CORRÊA: Na verdade, esse raciocínio é contrário à Constituição Federal que prevê a garantia de inamovibilidade para o magistrado. O juiz não pode ser removido do local aonde atua a não ser que haja pedido dele ou tenha cometido algum ilícito constitucional. Essa não é uma garantia para o juiz, é uma garantia para a sociedade, para que o juiz possa exercer sua função sem correr o risco de sofrer qualquer tipo de pressão. Em relação aos TRF’s, apesar disso não dizer respeito a Justiça estadual, os tribunais federais são poucos, são só cinco para o Brasil inteiro. Todo estado, por exemplo, tem um Tribunal Regional do Trabalho, situação que não ocorre com os TRFs. O TRF-3, por exemplo, que dizem ser o maior tribunal do mundo, em termos de processo, e engloba Mato Grosso do Sul e São Paulo, demora uma eternidade para julgar um processo. O TRF-1, que tem Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, vários estados do Nordeste, e do Norte, na verdade tem jurisdição sobre metade do Brasil ou mais, do Acre até na Bahia, algo que chega a ser desumano de se concentrar em um tribunal só.
FATO NOTÓRIO: O senhor é a favor da PEC 399, que condiciona o serviço da advocacia, pelos magistrados e membros do Ministério Público aposentados, à prévia aprovação no Exame de Ordem da OAB?
WILSON CORRÊA: Eu entendo que não seria necessário. Apesar que, considero que nenhum juiz ou promotor teria dificuldade para passar no exame da OAB, passaria com tranquilidade.
FATO NOTÓRIO: E a quarentena dos magistrados?
WILSON CORRÊA: Em relação à questão daquele período que o magistrado fica impedido de advogar no tribunal ou no local aonde ele exerceu a função, isso tem que ser bem compatibilizado. Porque nós temos um exemplo no poder judiciário que é o Membro Jurista do TRE, e é muito mais sério do que essa questão. Os Tribunais Regionais Eleitorais e o Tribunal Superior Eleitoral possuem em sua composição a figura do membro jurista, que são dois advogados. Esses dois advogados são nomeados para serem membros dos tribunais eleitorais por um prazo determinado e podem ser inclusive reconduzidos, ficando dois ou quatro anos no Tribunal. E eles são advogados, passam a membros do TRE, julgam questões eleitorais e continuam advogando. Isso é muito mais sério do que a situação do magistrado aposentado. O advogado sai do TRE e no outro dia já está advogando naquele mesmo TRE. A OAB não questiona essa atuação, aí sim, deveria haver um intervalo entre a saída do cargo e o exercício da advocacia, bem como deveria haver proibição de advogar durante o exercício da magistratura eleitoral. Temos casos emblemáticos a respeito da quarentena: a desembargadora federal Susana Camargo, o desembargador estadual Rêmolo Letteriello, o desembargador estadual Luiz Carlos Santini. Acho que isso também tem um pouco de reserva de mercado, esses desembargadores aposentados são pessoas respeitadas no meio jurídico e capazes de cooptar clientes, motivo pelo qual acabam sofrendo uma reprovação na classe de advogados.
FATO NOTÓRIO: E no caso do ministro Joaquim Barbosa, o que o senhor acha?
WILSON CORRÊA: Aquilo foi uma barbaridade, para mim foi uma violência. Qual o motivo para indeferir o registro dele? Supostamente teria sido aquela questão do advogado que foi retirado do STF. Mas se olharmos friamente o que aquele advogado fez, qualquer advogado que exerce a advocacia de forma correta não faria isso, foi uma atitude completamente impensada, sem precedentes.
FATO NOTÓRIO: E sobre o Quinto Constitucional? Ele é necessário hoje em dia?
WILSON CORRÊA: Nós, juízes, entendemos que a questão do quinto tem que acabar. A resistência existe em relação à instituição denominada “quinto constitucional” e não às pessoas.Todos os fundamentos que existiam para mantê-lo não mais se explicam. Falam muito em renovar os tribunais, a jurisprudência.Em regra, para esses cargos são indicados advogados mais antigos, mais velhos, da geração dos desembargadores que já compõem o Tribunal, motivo pelo qual não vejo oxigenação nisso. Segundo: em questão da representação de classe, se fala que nos tribunais tem que haver representação do Ministério Público e da advocacia, mas o juiz não representa ninguém, tem que ser imparcial, não pode assumir para defender interesses do Ministério Público, da OAB, tem que ser imparcial. Nada contra aqueles que já estão no judiciário, mesmo porque temos vários exemplos de bons magistrados oriundos do quinto constitucional.
WILSON LEITE CORRÊA é presidente da Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul (AMAMSUL)
Natural de Caracol (MS), formado na Faculdade de Direito de Dourados SOCIGRAN (atual UNIGRAN), foi servidor das Justiças Estadual e Federal, procurador do INSS e ingressou na magistratura sul-mato-grossense em novembro de 2000. Atua na Quarta Vara Criminal de Competência Residual da comarca de Campo Grande, Entrância Especial. É especialista em Direito Previdenciário. Assumiu a presidência da entidade para o biênio 2013/2014.