COMO ERA A AMAMSUL NO INÍCIO
Entrevista: Des. Jesus de Oliveira Sobrinho
A Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul (Amamsul) foi criada em julho de 1978, quando 25 juízes se reúnem na região Sul de Mato Grosso, alguns meses antes da divisão do Estado de Mato Grosso Uno e o surgimento de Mato Grosso do Sul. No entanto, quem observa a estrutura na época da criação da entidade, desconhece as dificuldades enfrentadas antes da divisão do Estado. Que tal uma volta pelo túnel do tempo para saber como foi a evolução do processo. Com a palavra o Des. Jesus de Oliveira Sobrinho, desembargador aposentado, que conta em detalhes as ações adotadas antes da divisão para a formação de tão importante e significativa entidade. Vale a pena relembrar!
Quando houve a divisão do estado em MT/MS o sr. já era juiz e participou ativamente das tratativas para a criação de uma associação de magistrados. Conte-nos como foi. Jesus: Antes de qualquer coisa, precisaremos retroceder um pouco mais para que se tenha uma visão da época. Em 1968, as comunicações no Estado eram precaríssimas. Além da grande extensão do Estado (MT), não havia asfalto e para usar o telefone tínhamos que ir ao centro da cidade solicitar a ligação, que nem sempre saia no mesmo dia. As notícias que se tinha do tribunal eram por meio do diário oficial, que chegavam uma ou duas vezes por semana em Campo Grande e ao sul. Em 1968, eu era juiz em Dourados.
Nessa época, vindo do estado de São Paulo, ingressou na magistratura Alceu Soares Aguiar, hoje registrador e tabelião em Dourados. Com a experiência que já tinha da associação dos magistrados de S.Paulo, resolveu ele sugerir a criação de uma associação para defender os interesses da magistratura de MT. Usando um estêncil para reproduzir cópias, ele enviou ofício aos juízes do Estado, solicitando que se reunissem em Cuiabá para criação da associação de magistrados.
Houve interesse dos juízes em participar ?
Jesus: Saímos do sul, eu, Milton Malulei, que era juiz em Dourados, Athayde Nery de Freitas, juiz em Ponta Porã, Alceu Soareas Aguiar, titular em Fátima do Sul, Augusto Benitez Tiese, de Bataguassu. Saímos nós em um AERO WILLYS, pois nenhum outro magistrado do sul se interessou em ir.
O sr. saberia por que não houve mais interessados?
Jesus: Parece que o Tribunal não aceitou muito bem a ideia da criação de uma associação, pois entenderam que a entidade seria criada para se contrapor às diretrizes do tribunal. É bom registrar que, naquela época, o Tribunal não tinha autonomia administrativa e financeira, adquirida com a constituição de 1988. Assim, se o magistrado precisasse de uma máquina de escrever ou de uma mesa, tinha que solicitar ao Poder Executivo. Se precisava de funcionários, pedia ao Executivo a abertura de concurso, que realizava e nomeava os servidores.
Por parte do tribunal, havia muito constrangimento em reivindicar direitos junto ao Poder Executivo e, de certa forma, o Poder Judiciário era dependente daquele. Se o juiz tinha direito a um adicional por tempo de serviço, por exemplo, este era requerido ao governador. Abria-se um procedimento e o deferimento vinha um ou dois anos depois. Os recebimentos eram somente a partir do ato do governador, sem direito aos atrasados. Quando viajávamos, respondendo por outras comarcas, arcávamos com as despesas: não havia diária, nem ajuda de custo, não havia nada. Por isso a necessidade de se criar a associação.
Com foi a reunião em Cuiabá?
Jesus: Reunimo-nos no dia 8.12.68, no salão nobre do antigo prédio do tribunal de MT e nenhum juiz de Cuiabá compareceu. Só por esta informação já se pode imaginar o clima da época. Enfim, compareceu o des. João Antonio Neto, o des. Leão Neto do Carmo e des. Oscar Ribeiro Travassos. Para evitar qualquer mal-estar, elegemos o des. Oscar Ribeiro Travassos, que não acreditava muito na importância da associação e se limitou, no tempo dele, a registrar os estatutos. O tempo passou e a associação ficou praticamente sem dirigente porque somente os juízes do sul se interessaram.
No norte, ninguém demonstrou interesse.
Algum tempo depois, em 1973 ou 74, quando eu já estava no Tribunal e era Corregedor, o presidente do TJMT, des. Milton Armando Pompeu de Barros, convocou uma assembleia geral para eleger uma nova diretoria da associação. Disputaram os desembargadores Leão Neto do Carmo e Domingos Sávio Brandão Lima, que venceu a eleição.
Qual era perfil do presidente eleito?
Jesus: Para se ter uma ideia de como era este alagoano, depois da revolução, precisava-se fazer um constituição e o presidente Fragelli convocou uma equipe de três notáveis para fazer um projeto de resolução. No dia seguinte, ele levou o anteprojeto pronto, datilografado na máquina de escrever. Brandão Lima era trabalhador, diligente e muito bem relacionado. Conhecia as associações.
Ele tinha feito a Escola Superior de Guerra e, por ser muito bem relacionado, fuçava para todo lado para saber como melhorar. Mas tudo era limitado porque dependia do Executivo. Como a falta de recursos muito grande, o Domingos Sávio viu nos outros estados a famosa tabela que estabelecia em todos os atos processuais, notariais e de registro, um valor em favor da associação. Naquele tempo, a Corregedoria preparava um novo projeto de regimento de custas e ele pediu para incluir uma contribuição para a associação. Foi o ponto de partida.
Isso significa que a associação dos magistrados começou a caminhar então?
Jesus: Nós promovemos congresso, reunião, mas tudo era muito difícil. O presidente seguinte foi o Des. Mauro José Pereira e foi um período que manteve, sem grandes inovações. Em seguida, fui eleito e tive como secretário o Benedito Pereira dos Nascimento – um homem muito organizado. Foi nessa época que passamos a conhecer o associado e sua família, porque abrimos uma ficha e pedimos informações, para ter o quadro de associados devidamente regulamentado.
Nessa mesma época, conseguimos um regulamento de utilidade pública e, por incrível que pareça, abrimos uma conta no banco para administrar os recursos da associação. A primeira conta. Conseguimos, quando o centro político-administrativo do Estado estava sendo construído, a doação de uma quadra para a construção da futura sede da associação. O governo Garcia Neto doou o local onde foi construída a sede da associação. Chamava-se AMAM. Conseguimos também doação de uma área em Jaciara, onde construímos uma sede para o magistrado que quisesse passar o final de semana com a família.
Em que época estamos?
Jesus: Em 1977/78, quando foi eleito o des. Milton Armando Pompeu de Barros e seu vice, Athayde Nery de Freitas. Conseguimos então, em Coxim, a Ilha do Governador, onde construímos uma sede muito bonita e conseguimos até levar energia. Quem trabalhou muito para isso foi o então juiz Rêmolo Letteriellolo, contudo, antes da inauguração, a maior enchente de Coxim abriu a ilha pelo meio e levou tudo. Nunca pudemos aproveitar.
Pouco tempo depois de eleito, o Des. Milton renunciou e assumiu o juiz Athayde, que já estava em Dourados. Como ele residia longe da Capital, imagine as dificuldades. Assim a associação ficou meio parada até agosto de 1978, quando nos reunimos em nova assembleia, em Dourados, porque o estado de Mato Grosso do Sul seria instalado no dia 01.01.79. Reunimo-nos para solicitar que fosse definido o nome dos quatro desembargadores que iniciariam o Poder Judiciário de MS. Queríamos funcionar como todo o resto a partir de 1º de janeiro.
Houve uma reunião dos juizes no território de MS para eleger a nova diretoria e finalmente criar a associação de MS. Rêmolo foi eleito o primeiro presidente da AMAMSUL. Com a divisão do Estado, houve também a separação do patrimônio. A AMAM ficou com os imóveis no norte e a AMAMSUL, com o dinheiro depositado. O Rêmolo comprou o terreno e iniciou a construção da sede. Havia a contribuição dos juízes, embora fosse insignificante. A grande fonte de renda era tabela.
O sr. acompanhou todos os passos que resultaram na criação da AMAMSUL. Está muito diferente?
Jesus: Vejo uma evolução muito grande entre nossa antiga associação e a atual. Especialmente dado o maior interesse dos juízes, facilidade de comunicação, estrutura melhor para atender as reivindicações. As conquistas são maiores.
As associações hoje têm uma incumbência muito grande, do meu ponto de vista. Primeiro, a função social, de congregar os juizes; depois, a função cultural, pois é associação que age na atualização dos juízes, de cursos – sem falar na assistência que presta ao magistrado. Isso sem falar no plano de saúde, porque a associação presta uma assistência muito grande no plano de saúde. Acho que encaminha bem os interesses da magistratura.
A associação é o canal pelo qual o juiz reivindica, expõe seus problemas e até protesta contra alguma norma que entende não ser adequada, porque o juiz precisa de uma instituição que haja em nome dele para não ficar individualizado. O magistrado não pode agir individualmente, seja quando protesta, seja quando reivindica, porque isso pode trazer consequências – por isso precisa da associação.
Como definiria a experiência de ser presidente de uma associação de magistrados?
Jesus: A presidência de uma associação é uma função de auto-sacrifício, mas que acho que é dever de todo associado sendo convocado, exercer essa função. Mas é uma função para ser exercida uma única vez.